Sharm el-Sheikh: como é a cidade egípcia turística que recebe a COP27

Balneário onde ocorrerá a conferência do clima da ONU é conhecido por resorts e mar cristalino, mas também tem histórico de terrorismo e violação de direitos humanos

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Washington

É Sharm, para os íntimos.

A cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, que a partir de domingo (6) hospeda a reunião global sobre o clima COP27, é um dos destinos prediletos dos egípcios e dos estrangeiros no país. Tanto que eles costumam tratá-la pelo primeiro nome, que em árabe significa "baía" ou "golfo". Pronuncia-se como se escreve, mesmo.

Apesar de tanto carinho, a cidade também tem os seus poréns —incluindo seu isolamento do restante do país, o que ajuda o regime autoritário a controlar o acesso e vigiar a população.

São mais de seis horas de ônibus, saindo do Cairo. É um outro mundo. Ficam para trás os prédios e os viadutos da capital. Ficam para trás também o rio Nilo, majestoso mas poluído, e as favelas construídas dentro de cemitérios. Surgem a água cristalina, a palmeira e o guarda-sol.

Logotipo preso em estrutura no canteira central de uma estrada; há palmeiras nas bordas da estrada
Painel com o logotipo da COP27 em estrada em Sharm el-Sheikn (Egito) - Sayed Sheasha - 20.out.2022/Reuters

Ao contrário de outros destinos turísticos no Egito, Sharm é uma cidade bastante recente. Não tem a bagagem histórica de lugares como Luxor ou Assuã, de passado faraônico. Sharm era quase inabitável, devido ao calor e à aridez. Acabou ganhando importância só no século 20, por estar localizada na boca do golfo de Aqaba, permitindo —ou impedindo— a passagem de navios.

Com a criação de Israel em 1948, o Egito fortificou Sharm como modo de barrar o trânsito de navios rumo a Eilat, o único porto israelense no golfo. Israel tomou a cidade em 1956, durante a disputa pelo canal de Suez. Com a resolução da crise, a ONU manteve forças de emergência no local até 1967. Mas, com o estourar da Guerra dos Seis dias em 1967, Israel retomou a cidade.

Foi em parte sob a ocupação israelense que Sharm se desenvolveu como destino turístico. O país construiu hotéis e desenvolveu a infraestrutura hoteleira. A cidade voltou ao controle egípcio em 1982, como parte dos acordos de paz entre os países —e seguiu se consolidando como destino de férias.

Um de seus maiores atrativos é a água cristalina e os recifes. Como Sharm também é uma opção relativamente barata, dado o câmbio que favorece quem gasta em dólares ou em euros, a cidade acaba atraindo mergulhadores e estudantes de mergulho interessados em obter um certificado. O problema são os tubarões, que aparecem às vezes por ali.

Em paralelo a seu desenvolvimento turístico, o governo egípcio tentou também promover Sharm como um entreposto diplomático —daí o apelido de "cidade da paz", que nunca pegou de fato. A justificativa é o número de conferências organizadas ali. Por exemplo, houve cúpulas em 1999, 2000, 2005 e 2007.

Curiosamente, circula também um boato de que o ex-ditador Hosni Mubarak fugiu para Sharm em 2011 diante dos protestos populares que forçaram a sua renúncia.

A Sharm que os visitantes vão conhecer passou por um recente —e intenso— processo de reforma. Como uma cirurgia estética. O governo alargou estradas, renovou a frota de ônibus, construiu shoppings e ergueu outdoors. Dada a mensagem climática que o país quer passar, foram instalados também painéis solares, que devem estar operantes até o começo da cúpula.

Apesar de todo esse sol, Sharm tem também dias de tempestade. Em 2005, ataques terroristas deixaram 88 mortos na cidade costeira. Foi um dos atentados com mais vítimas na história do Egito. Já em 2015 um avião que tinha decolado do aeroporto de Sharm explodiu no ar, deixando 224 mortos; o ataque foi mais tarde reivindicado pela organização terrorista Estado Islâmico.

Esse passado recente explica, em parte, as restrições pelas quais os visitantes vão passar durante a cúpula do clima COP27 —incluindo vistorias nos táxis e também na entrada dos hotéis.

Mas o estado de alerta é também uma expressão de um regime ditatorial, que cerceia a liberdade de seus cidadãos. A propaganda de Sharm como uma baía paradisíaca serve, afinal, para esconder a realidade do país. O Egito chegou a derrubar sua ditadura em 2011, na chamada Primavera Árabe, só que voltou a ter um governo autoritário em 2013 sob, o presidente Abdel Fattah al-Sisi.

Para disfarçar sua natureza repressora, o regime mandou construir uma área específica onde os manifestantes vão poder se reunir para protestar. Fica longe da cidade, ao lado de uma rodovia. Uma farsa, dizem os ativistas de direitos humanos, normalmente proibidos de se manifestar em público no Egito.

O regime egípcio instalou, ainda, câmeras de segurança. Ao jornal britânico Guardian, Hussein Baoumi, da Anistia Internacional, descreveu a COP27 como a edição mais vigiada da história do evento climático. A ideia de se cadastrar para participar de um protesto em um local isolado, vigiado por um regime que prende e tortura dissidentes, não deve convencer muitos no país.

O fato de que o Egito organizou a COP27 em Sharm, tão longe da capital, não é acidental. O governo sabe que será muito mais fácil controlar a população no resort do que na metrópole. Isso sem contar a dificuldade que os ativistas vão ter para viajar, passando pelos controles de segurança.

Com todo o seu glamour, Sharm é afinal um destino construído para escapar, e também para excluir.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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