Duna de Jericoacoara desaparece sob os pés dos turistas; sumiço afeta balneário cearense

Processo natural, mas potencializado pelo homem, traz risco ao abastecimento de água; entenda

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Recife

A duna do Pôr do Sol, um dos principais pontos turísticos de Jericoacoara, no Ceará, caminha para o desaparecimento. O processo é natural, mas tem sido acelerado por ações do homem, de acordo com especialistas.

A elevação de areia fica dentro dos limites do Parque Nacional de Jericoacoara, gerido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade).

A duna do Pôr do Sol, como o próprio nome sinaliza, é frequentada por turistas que vão ao balneário cearense no final da tarde, para apreciar o poente.

O monte de areia tinha 60 metros de altura nos anos 1970, mas atualmente tem apenas seis metros de elevação, de acordo com o ICMBio.

Pessoas andando em dunas ao lado do mar
Turistas caminham em dunas na praia de Jericoacoara, no litoral do Ceará - Rubens Chaves - 1º.jul.2016/Folhapress

Além do atrativo turístico, as dunas da região de Jericoacoara têm a função de fazer a recarga de água para os aquíferos da região, locais subterrâneos onde são armazenados os recursos hídricos para abastecimento de cidades.

"A areia do campo de dunas recebe água da chuva, que fica armazenada no subsolo. A água potável dos municípios da região vem do aquífero", explica Kelly Cottens, bióloga e analista ambiental, chefe do Parque Nacional de Jericoacoara.

Jericoacoara é conhecida por biólogos e geógrafos, entre outros fatores, pelo deslocamento de dunas em direção ao mar. O fenômeno é maior no segundo semestre, quando os ventos ficam mais fortes. Nesse período, a tendência é que a duna do Pôr do Sol perca mais altura.

"O vento empurra as dunas. E a duna do Pôr do Sol foi se deslocando junto com as outras e acabou encontrando o mar. Quando isso acontece, o processo erosivo é mais acelerado porque a onda bate e vai carregando a areia. A duna está no fim da sua jornada, é muito triste, mas isso é natural", diz a gestora do ICMBio.

Para a bióloga, a visitação das dunas a pé pelos turistas é um ecoturismo de baixo impacto nas dunas, que, segundo ela, se deslocam de dez a 30 metros por ano no parque.

Duna do pôr do sol, em Jericoacoara, teve 60 metros de altura nos anos 1970, mas atualmente tem cerca de 6 - - Reprodução/TV Verdes Mares

A expectativa é que outras dunas, também em deslocamento, possam repor nos próximos anos a duna do Pôr do Sol, que caminha para o sumiço. Entretanto, a velocidade desse suprimento de duna pode diminuir em razão das ações humanas no ecossistema.

Já o professor de geografia Davis de Paula, da Universidade Estadual do Ceará, diz que o processo acelerado da duna do Pôr do Sol está associado ao aumento do fluxo de turistas e à degradação ambiental na região. Ele avalia que as visitas a pé às dunas contribuem decisivamente para a redução do nível de areia.

"Jericoacoara recebe milhares de pessoas por ano. A sua capacidade de carga está em seu nível máximo. A intensa procura pelo pôr do sol na badalada duna tem trazido prejuízos ambientais, como o pisoteio da parte superior da duna. Isso provoca uma avalanche do material da duna, que contribui para que o sedimento vá mais rápido em direção ao mar", diz.

A expansão da vila de Jericoacoara e o alto fluxo de veículos em estradas que cortam a paisagem local são apontados ainda como causas que inibem o ritmo adequado de reposição de areia. Um maior volume de chuvas também pode contribuir para a diminuição das dunas.

De Paula prevê que, com a iminente saída de cena da duna do Pôr do Sol, haverá prejuízos para a natureza local. "Com a extinção, há perdas de funções naturais como a recarga de aquíferos. A vila não tem no seu entorno rios para lhe abastecer de água, toda água vem de um lençol freático. Há prejuízos para a demanda de recursos hídricos subterrâneos para Jericoacoara."

Para o prefeito de Jijoca de Jericoacoara, cidade onde fica o vilarejo de Jericoacoara, o governo federal precisa agir de forma efetiva para diminuir os prejuízos ambientais. Na visão de Lindbergh Martins (PSD), a administração federal foi negligente nos últimos anos com o espaço.

"O parque precisa de um apoio e uma solução imediata. Além das dunas do Pôr do Sol, temos um caminho da praia em que morrem algumas tartarugas, e não temos rota específica para quem trabalha com transporte de trabalhador e turista", diz.

"O aporte financeiro que o ICMBio hoje recebe não dá condições de dar uma resposta à altura do parque nacional", acrescenta. Dezenove funcionários do ICMBio atuam atualmente no parque.

A prefeitura, no entanto, não vislumbra um cenário preocupante em termos de atrativo turístico.

"Prejudica no sentido de não ter uma beleza natural como essa duna. Muitos turistas vêm, no final da tarde, para tirar foto naquele espaço. [Porém,] no entorno de Jericoacoara, existem outras belezas naturais que os turistas procuram. Temos vários locais que podem suprir essa carência", diz o prefeito, que estima que de 50 mil a 60 mil turistas circulam por mês na região.

Além de Jijoca, o Parque Nacional de Jericoacoara inclui os municípios de Cruz e Camocim. O espaço tem uma área de mais de 8.000 hectares.

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