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Condomínio com 56 lotes em vila no sul da Bahia vira alvo de batalha judicial

Moradores da vila de Santo André temem danos ambientais; empreendimento diz que segue legislação

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Salvador

A construção de um condomínio em Santo André, distrito com cerca de mil habitantes no município de Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, virou alvo de uma batalha de judicial entre empresários e parte da comunidade local.

O condomínio Vila da Vila gera questionamentos de moradores de Santo André, que veem possíveis impactos do empreendimento que será erguido na APA (Área de Proteção Ambiental) Santo Antônio.

Imagem aérea de praia da vila de Santo André, no litoral sul da Bahia - @santoandredabahia no Instagram

O terreno fica em frente ao mar e próximo à foz do rio João de Tiba, na mesma área onde estão instaladas 17 barracas de praia, a maioria delas administradas por moradores nativos.

O projeto prevê um condomínio fechado com 56 lotes para imóveis, cada um com de 800 a 1.500 m2, além de uma vila comercial com lojas, piscina e área gourmet. A área total é de 74 mil m2, equivalente a pouco mais de sete campos de futebol oficiais.

O empreendimento está sob responsabilidade da empresa Castello Cario Brasil Participações e será erguido pela Katz Construtora.

A Prefeitura de Santa Cruz Cabrália concedeu licenças ambientais para a construção do condomínio em 2022, mas o projeto virou alvo de uma ação civil pública movida desde janeiro pela Associação Bem-Te-Vi Diversidade, com sede no vilarejo.

A entidade diz que as licenças foram concedidas em tempo recorde, sem a devida publicidade dos processos, e aponta possíveis impactos da obra na comunidade, que tem fornecimento irregular de água e não possui um sistema de coleta e tratamento de esgoto.

Também destaca possíveis impactos na vegetação de restinga do terreno, considerada necessária para segurança dos ninhos em área de desova de tartarugas-marinhas, espécie ameaçada de extinção.

"Não estamos contra o empreendimento em si, mas defendemos a redução do número de lotes para diminuir o impacto no meio ambiente. A vila não tem infraestrutura para um condomínio desse porte", afirma Marília Viegas, conselheira da Amasa (Associação de Moradores e Amigos de Santo André).

Em fevereiro, a Justiça Federal acatou o pedido da Associação Bem-Te-Vi Diversidade e suspendeu os efeitos da licença ambiental e da autorização de supressão de vegetação na área do empreendimento, sob pena de multa de R$ 10 milhões.

A liminar, contudo, foi derrubada em março no Tribunal Regional Federal, que considerou que o terreno não ocupa uma área federal e que, por isso, o assunto não seria de competência da Justiça Federal. Consultada, a AGU (Advocacia-Geral da União) afirmou que a área não é de propriedade da União.

No mesmo dia da decisão, o juiz federal Pablo Baldivieso contestou o argumento e citou documentos da SPU (Secretaria do Patrimônio da União) que apontam que o empreendimento teria 1.600 m2 —o equivalente a 2% do total— dentro de área da Marinha.

O magistrado acionou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para elaborar relatório técnico ambiental da área e agendou uma audiência de conciliação.

A Castello Cario Brasil Participações diz que não há áreas da Marinha no terreno. A empresa afirma que seguiu todos os trâmites legais e que o empreendimento é considerado de pequeno porte e de baixo impacto ambiental, de acordo com legislação federal.

"Recebemos a ação civil pública com surpresa. A ação tem uma série de erros técnicos, faz presunções e parte de premissas equivocadas", disse à Folha o advogado Daniel Blenner, representante da Castello Cario Brasil Participações.

Os estudos ambientais indicam a existência de 1.144 árvores nos terrenos, das quais 147 serão derrubadas para a construção das áreas comuns. O corte dentro dos lotes caberá aos proprietários, que terão que solicitar novas autorizações à prefeitura. As árvores derrubadas terão que ser compensadas com o plantio de espécies nativas na região.

A Castello Cario Brasil Participações rebate as críticas em relação ao saneamento básico e diz vai implantar biodigestores blindados no sistema de esgoto, o que seria suficiente para preservar o lençol freático. Também argumenta que a área de desova de tartarugas mais próxima fica a mais de cem metros.

Procurado, o prefeito de Santa Cruz Cabrália, Agnelo Santos (PSD), não se pronunciou sobre o assunto. Em ofício encaminhado ao Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, a prefeitura defendeu a regularidade das licenças e das compensações ambientais.

Com a suspensão da liminar que barrou o licenciamento, o início das obras do condomínio depende de autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Responsável pela obra, a Katz Construtora é uma empresa de Minas Gerais que já construiu outros dois condomínios na região —um em Santa Cruz Cabrália, na região conhecida como Araripe, e outro na cidade vizinha de Belmonte.

Desde que começou a investir na região, a construtora também adquiriu um restaurante na vila de Santo André e fez uma parceria para manutenção de um museu em Belmonte. Todos fazem divulgação dos empreendimentos imobiliários, incluindo maquetes e até propaganda no cardápio do restaurante.

A comunidade da vila de Santo André também tem um histórico de embates com empreendimentos imobiliários e com produtores de festas de grande porte. Em 2014, o distrito ganhou notoriedade ao abrigar o Centro de Treinamento da Alemanha durante a Copa do Mundo de futebol. O empreendimento foi construído para depois se transformar em um resort.

O juiz Pablo Baldivieso, responsável pela apreciação da ação civil pública, destacou em sua decisão que a ocupação desordenada de terrenos da Marinha no sul da Bahia tem gerado "consequências ambientais desastrosas".

A construção de empreendimentos no litoral baiano está sob a mira da Justiça e do Ministério Público Federal, que alertam para o ecossistema sensível da região, que inclui restingas, manguezais e áreas de mata atlântica, e para impacto em comunidades tradicionais.

No começo de abril, a SPU (Secretaria de Patrimônio da União) paralisou o processo de instalação de um megaempreendimento turístico na ilha de Boipeba, em Cairu. O órgão afirma que a região é área pública federal, em processo de reconhecimento como reserva de comunidades tradicionais.

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