Descrição de chapéu The New York Times

Ave desaparecida gera dúvidas entre especialistas nos EUA

Apesar dos anos de busca, existência de remanescentes do pica-pau-bico-de-marfim ainda é uma incógnita

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Catrin Einhorn
The New York Times

Se há esperança nova, ela não é nítida. O que se sabe ao certo: a história cheia de altos e baixos do pica-pau-bico-de-marfim, uma ave majestosa cuja suposta extinção tem sido indicada por uma série de redescobertas contestadas, ainda continua firme e forte.

A reviravolta mais recente é um estudo revisto por pares publicado na quinta-feira (18) no periódico especializado Ecology and Evolution que fala de relatos sobre avistamentos do pica-pau, gravações em áudio, imagens feitas por câmeras posicionadas em trilhas e vídeos colhidos por drones.

Os materiais teriam sido coletados ao longo dos últimos dez anos numa floresta pantanosa de Louisiana, cuja localização exata foi omitida para proteger as aves. Os autores escrevem que as evidências sugerem "a presença intermitente, porém repetida" de aves que se parecem e comportam como o pica-pau-bico-de-marfim.

Mas será que são?

"São evidências cumulativas obtidas por nossa busca, realizada ao longo de vários anos, que nos deixam muito confiantes de que essa espécie icônica existe, que ela ainda persiste em Louisiana e provavelmente em outros lugares também", disse Steven C. Latta, um dos autores do estudo e diretor de conservação e pesquisas em campo do National Aviary, um zoo de aves sem fins lucrativo de Pittsburgh que lidera um programa que busca a espécie.

Mark Michaels e Steven Latta à procura do pica-pau-bico-de-marfim; existência de remanescentes da espécie gera dúvidas entre especialistas - NYT

Mas Latta reconhece que nenhum dos materiais isoladamente constitui uma prova definitiva. O estudo é cuidadosamente permeado de palavras como "possíveis" e "supostos".

E é justamente esse o problema. Como escreveu um especialista em um caso anterior em que o pica-pau teria sido avistado: "O conjunto de evidências só é tão forte quanto a prova isolada mais forte. Dez xícaras de café fraco somadas não dão uma garrafa de café forte."

Desta vez, dois especialistas que se mostraram céticos em relação a avistamentos anteriores disseram que ainda não se convenceram.

"O problema é que os vídeos têm qualidade muito ruim", disse Chris Elphick, professor de biologia da conservação na Universidade de Connecticut e ornitólogo. Vistos de longe ou sob certos ângulos, o pica-pau-de-penacho-vermelho (Driocopus pileatus) e o pica-pau-de-cabeça-vermelha (Melanerpes erythrocephalus) podem se parecer muito com o pica-pau-bico-de-marfim. O olhar pode se confundir por conta da luz. É fácil fazer uma interpretação equivocada de áudios.

"Francamente", disse Elphick, "acho que isto não muda muita coisa. Eu gostaria demais de estar equivocado."

A importância das descobertas recentes é grande porque as autoridades federais responsáveis pela proteção natural propuseram que o pica-pau-bico-de-marfim seja declarado extinto. Isso acabaria com a proteção legal da espécie. No ano passado, citando "divergências importantes entre especialistas em relação ao status da espécie", o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA estendeu o prazo final para anunciar uma decisão definitiva.

Uma porta-voz da agência, Christine Schuldheisz, disse que ela não comenta estudos externos, mas está trabalhando para chegar a uma decisão final, que está prevista para ainda este ano.

Segundo os autores do novo estudo, a remoção da proteção federal seria prejudicial a quaisquer pica-paus-bico-de-marfim ainda remanescentes. Mas outros cientistas observaram que há um preço alto a ser pago para conservá-los na lista de espécies ameaçadas.

"É crucial decidir se os recursos federais limitados para conservação devem ou não ser gastos correndo atrás desse fantasma, em vez de serem empregados para salvar outros hábitats e espécies genuinamente ameaçados", explicou Richard O. Prum, professor de ornitologia na Universidade Yale.

Os bicos-de-marfim começaram a diminuir fortemente quando os americanos derrubaram seu hábitat, as florestas pantanosas antigas do sudeste dos EUA. Poucos deles ainda restavam na década de 1930, mas uma expedição científica descobriu um ninho deles em Louisiana, uma das maiores áreas de seu hábitat ainda restantes. A área tinha sido arrendada para a extração da madeira. Grupos conservacionistas tentaram comprar os direitos, mas a empresa se negou a vendê-los. O último avistamento amplamente aceito nos Estados Unidos aconteceu em 1944, uma fêmea isolada vista em seu poleiro com a floresta em volta dela toda derrubada.

Desde então, supostos avistamentos da ave têm suscitado alegria e também reações negativas. Um deles, em 1967, foi saudado na primeira página do New York Times. Vinte anos mais tarde, outro avistamento –desta vez em Cuba, onde é possível que uma subespécie ou espécie semelhante ainda resista— também foi notícia da primeira página. Em 2002, pesquisadores em Louisiana acharam que haviam captado áudio da batida dupla distinta do pica-pau-bico-de-marfim, mas uma análise computadorizada determinou que eram disparos de arma distantes. Um suposto avisamento no Arkansas em 2004 levou a um artigo científico na revista Science e uma intensificação do turismo ornitológico, mas essa evidência foi fortemente criticada.

Para Elphick, que além de cientista tem a observação de aves como seu hobby, um dos resultados mais reveladores é o que tanto esforço não rendeu: uma única foto nítida.

"Há aves incrivelmente raras que vivem no meio da Amazônia e das quais as pessoas conseguem fazer fotos boas, identificáveis", ele comentou. "Nos Estados Unidos, pessoas já passaram centenas de milhares de horas tentando localizar e fotografar pica-paus-bico-de-marfim. Se existe realmente uma população deles aí fora, acho inconcebível que ninguém até agora tenha conseguido uma foto boa."

Mas Latta, o coautor do estudo, insistiu que viu um bico-de-marfim claramente com seus próprios olhos. Ele estava no campo em 2019 para montar unidades de gravação de áudio e calcula que deve ter assustado a ave. Quando ela saiu voando, ele pôde ver de perto, sem obstáculos, suas marcas características.

"Passei uns três dias sem conseguir dormir", ele disse. "Foi porque tive essa oportunidade e senti essa responsabilidade de deixar claro para o resto do mundo, ou pelo menos para o mundo da conservação, que essa ave existe de fato."

Tradução de Clara Allain

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