Descrição de chapéu mudança climática África

Cafeicultores africanos apostam numa variedade de café resistente à mudança climática

Nativo da África central, o 'Liberica excelsa' não é afetado pelo aquecimento global como as variedades Arábica e robusta

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Somini Sengupta
ZIROBWE (UGANDA) | The New York Times

Comecemos pela má notícia. As duas espécies de café que a maioria de nós tomamos —Arábica e robusta— correm risco grave nesta era de mudança climática.

Vamos agora à boa notícia. Agricultores de um dos principais países africanos exportadores de café estão cultivando uma variedade inteiramente nova que resiste melhor ao calor, à seca e às doenças que o aquecimento global vem agravando.

Durante anos eles vêm apenas misturando essa variedade em sacos de café robusta, mais barato. Este ano, estão tentando vendê-la ao mundo sob seu nome verdadeiro: Liberica excelsa.

Ugandense Golooba John derrama café em uma bancada para secar
Golooba John espalha café Liberica para secar em Zirobwe, Uganda; a espécie é mais resistente às mudanças climáticas que as variedades Arábica e robusta, as mais conhecidas - Khadija Farah/NYT

"Mesmo quando o calor é excessivo, essa variedade se dá muito bem", disse Golooba John, que cultiva café perto da cidade de Zirobwe, na região central de Uganda. Nos últimos anos, à medida que seus pés de robusta foram sucumbindo a pragas e doenças, ele os foi substituindo por pés de Liberica. Hoje John tem mil pés de Liberica e apenas 50 de robusta em seu cafezal de 2,5 hectares.

Ele também toma o café Liberica. Diz que é mais aromático que o robusta, "mais saboroso".

Catherine Kiwuka, especialista em café na Organização Nacional de Pesquisa Agrícola, descreveu a Liberica excelsa como uma espécie de café que não tem recebido a atenção que merece. Ela faz parte de um experimento para apresentar o café Liberica ao mundo.

Se o experimento funcionar, pode encerrar lições importantes para pequenos produtores de café em outras partes do mundo, demonstrando a importância das variedades silvestres em um mundo em processo de aquecimento. A Liberica excelsa é nativa da África central tropical. Foi cultivada brevemente no final do século 15 e depois desapareceu. Então chegaram as devastações da mudança climática. Produtores trouxeram a Liberica de volta.

"Diante da mudança climática, faríamos bem em pensar em outras espécies que sejam capazes de conservar a indústria do café funcionando globalmente", disse Kiwuka.

No momento, o objetivo é cultivar Liberica excelsa de alta qualidade para exportação.

A Volcafe, uma empresa global de comércio de café, espera exportar até três toneladas este ano para torrefadores especializados no exterior, incluindo no Reino Unido e Estados Unidos.

Embora a Arábica e a robusta sejam as duas espécies de café mais cultivadas no mundo, há mais de cem espécies que crescem na natureza. Uma variedade de Liberica é cultivada há um século no sudeste asiático.

Outra variedade é a Liberica excelsa, que é nativa de áreas de baixada em Uganda. Em comparação com a robusta, que também é nativa de Uganda e é a espécie dominante cultivada na região, a Liberica leva mais tempo para amadurecer e produzir frutos.

Os cafezeiros Liberica atingem alturas bem maiores que os da espécie robusta. Cada árvore pode chegar a oito metros de altura, de modo que os produtores precisam subir escadas de bambu para fazer a colheita. Ou então têm que podar as árvores para que os galhos cresçam lateralmente, não verticalmente.

Cerca de 200 produtores vêm cultivando Liberica em pequenos bolsões, vendendo-o aos comerciantes locais juntamente com suas colheitas de robusta e recebendo preços iguais aos da robusta. Kiwuka disse que lhe parece que os produtores foram enganados.

Segundo ela, o café Liberica tem aroma mais forte e possui qualidade superior; logo, os produtores deveriam estar recebendo mais por ele.

Em 2016 ela convidou o estudioso de café Aaron Davis, do Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra, para visitar Zirobwe. Num primeiro momento, Davis ficou cético. Ele havia degustado Liberica em outros lugares e achado que parecia "uma sopa de verduras", em sua palavra.

Mas no dia seguinte ele moeu os grãos de Zirobwe em seu quarto de hotel. Sim, um pesquisador de café sempre leva um moedor portátil em suas viagens.

Sentada em um tapete na varanda de sua casa, Margaret Nasamba prepara café em sua casa em Zirobwe, Uganda
Margaret Nasamba prepara café em sua casa em Zirobwe, Uganda, onde a variedade Liberica está sendo mais cultivado - Khadija Farah/NYT

"Nada mau, na realidade", ele se recorda de ter pensado. O café tinha potencial.

Davis não desconhece os riscos ligados à cafeicultura. Descobriu em suas pesquisas que a mudança climática e a derrubada de florestas colocaram mais de metade das espécies silvestres de café do mundo em risco de extinção.

Ele e Kiwuka uniram suas forças. Decidiram incentivar produtores a aprimorar a colheita e secagem de suas safras de Liberica. Em vez de misturá-los aos grãos de robusta, deveriam vender o Liberica separadamente. Se a produção satisfizesse a determinados padrões, eles receberiam um preço mais alto.

"Em um mundo em processo de aquecimento e uma era em que cadeias de fornecimento estão sendo interrompidas, o café Liberica pode emergir como cultura importante", escreveram em dezembro no periódico científico Nature.

O café Liberica já é um variedade importante nos cafezais de Deogratius Ocheng.

Quando chove pouco, como foi o caso no ano passado, seu cafezal de robusta, com 0,80 hectare de área, sofre. No ano passado, as folhas murcharam e os frutos não se formaram corretamente. Os mesmos problemas atingiram boa parte de Uganda, onde a robusta é a espécie dominante.

Segundo a Autoridade de Desenvolvimento do Café de Uganda, as exportações de café devem cair este ano em comparação com o ano passado, por conta da seca e de pragas.

Ocheng disse que, se tivesse dependido unicamente da robusta, estaria vivendo na pobreza extrema agora. Por sorte, ele tinha uma área igual plantada com Liberica.

Tradução de Clara Allain

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