Transição para energias renováveis também terá impacto no planeta, diz cientista

Geólogo Colin Waters lidera grupo que propõe marco para o começo do Antropoceno, a época geológica dos humanos

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São Paulo

A busca por energias mais limpas, um dos principais desafios para reduzir emissões de gases-estufa e enfrentar as mudanças climáticas, também vai custar recursos ao planeta. Oito bilhões de seres humanos detêm, juntos, um poder de impacto que vai deixar as marcas dessa decisão —seja ela tomada ou não.

É o que afirma o geólogo Colin Waters, secretário do AWG, sigla em inglês para Grupo de Trabalho do Antropoceno. Formado por 40 cientistas, o coletivo se prepara para apresentar, em junho, uma proposta para o "golden spike", ponto em algum lugar da Terra que servirá de base para a definição do Antropoceno, a chamada "época dos humanos".

Para os cientistas do AWG, a nova época geológica da Terra é marcada pela atividade humana, com a expansão da produção industrial e a elevação do consumo em cadeia global. Seu ponto de início é debatido desde 2009 pelos pesquisadores do grupo.

colin waters sorri para foto, é branco, calvo, tem cabelos grisalhos penteados para trás, usa camisa quadriculada e, por cima, blazer na cor grafite
O geólogo Colin Waters, que pesquisa o marco de início do Antropoceno; ele participa no Rio de Janeiro de reunião da Academia Brasileira de Ciências - Cristina Lacerda/Academia Brasileira de Ciências

Waters, professor na Universidade de Leicester, no Reino Unido, tem sido o porta-voz do AWG para traduzir as implicações de uma nova época no planeta e por que isso é importante. Nesta semana, ele visita o Brasil pela primeira vez, para participar da reunião magna de 2023 da Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro.

O evento acontece no Museu do Amanhã, com entrada grátis. Waters dará palestra às 11h30 desta quarta (10).

"Nosso pequeno grupo de trabalho sabe que há evidência científica [do Antropoceno]. Tudo que podemos fazer é usar isso para guiar nossas decisões. Como isso vai ser usado pelas pessoas é papel de políticos", afirma Waters, em entrevista exclusiva à Folha. "Mas você começa a se perguntar: como lidamos com esse planeta que está mudando?"

Popularizado no início dos anos 2000 pelo vencedor do Nobel Paul Crutzen, o Antropoceno seria uma nova época geológica, que substituiria o atual Holoceno, iniciado após a última era do gelo, há 11,7 mil anos.

A década de 1950 se firmou nas discussões como o ponto de início do Antropoceno em razão do aumento generalizado da queima de combustíveis fósseis, da realização de testes nucleares feitos a céu aberto, espalhando quantidades de plutônio pelo mundo, além das detonações de bombas de hidrogênio.

A ideia inicial de Crutzen sobre o começo do Antropoceno apontava para a revolução industrial, na Inglaterra, no século 18. Mas, naquela etapa, diz Waters, a revolução acontecia na Europa, e para se espalhar levaria boa parte de um século.

"Quanto mais investigamos, mais perto chegamos da década de 1950. Todos passavam por grandes mudanças na economia e no grau de industrialização. Temos a China decolando entre os anos 1950 e 1960", explica. "E mesmo a Amazônia estaria ao alcance da contaminação atmosférica por partículas da queima de combustíveis fósseis."

E por que não em 1949? "Porque há uma gradação", diz o geólogo. "As evidências apontam para uma mudança drástica no meio do século 20."

Além de pesquisar o marco temporal, é preciso achar um lugar no planeta —o chamado "golden spike"— que possa ser comparado a outros locais para identificar os sedimentos de poluição deixados pela atividade humana.

A proposta para a definição desse marcador, que deve ser feita em junho, vai escolher um entre 12 locais, que incluem lagos, gelo no Ártico ou corais. Os últimos, segundo o pesquisador, são bons candidatos porque permitem a visualização anual da mudança de partículas.

Após a decisão do grupo, o tema será votado em outras três instâncias. A última, que vai ratificar a decisão, é a União Internacional de Ciências Geológicas.

O desafio atual consiste no fato de que definir uma época geológica sempre foi uma tarefa de olhar para o passado —e continua sendo, já que geólogos analisam sedimentos e fósseis—, mas agora há uma outra escala temporal em questão.

"Uma das boas coisas é que a ciência de hoje permite monitorar esses efeitos quase em tempo real", diz Waters.

E esses efeitos dizem respeito a como o planeta se calibra após eventos geológicos como um degelo em larga escala. "Erupções vulcânicas massivas, por exemplo, lançam uma quantidade enorme de gases estufa na atmosfera, com alta rápida, num tempo geológico, de temperatura."

A partir daí, o planeta passa por um período de adaptação, com o equilíbrio de temperatura e do nível de oceanos. "Esses níveis se recuperam, mas a biologia, não. As espécies, nessa mudança dramática, se perdem, enquanto o planeta pode voltar a se parecer com o que era 100 mil anos antes", destaca.

Para exemplificar os riscos que vivemos hoje, Waters relembra que a mudança desde a última glaciação, que definiu a passagem do Pleistoceno (iniciado há cerca de 1,8 milhão de anos), era gradual até que se tornou intensa a ponto de extinguir espécies e redesenhar o mundo.

No entanto, na visão do geólogo, a humanidade tem hoje capacidades tecnológicas que podem ser usadas para reduzir a emissão de gases que levam às mudanças climáticas.

"O problema é saber como manejar o destino dessa trajetória, porque temos poderes para isso. Sabemos quais são os problemas."

O pesquisador alerta ainda para o custo dessas decisões. "Temos oito bilhões de pessoas que vivem e buscam um certo padrão de vida. Mesmo se fizermos isso com recursos mais sustentáveis, vamos precisar de materiais cuja extração, como a de minérios, terá um efeito verificável no planeta."

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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