Secretário do clima da cidade de São Paulo diz que planeta 'se salva sozinho' e humanos são 'parte do problema'

Em evento, Antonio Fernando Pinheiro Pedro critica consenso científico sobre aquecimento global; especialista e oposição veem tática negacionista

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São Paulo

O secretário-executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, disse que o planeta "se salva sozinho" do aquecimento global e criticou o consenso científico em torno do tema. As falas aconteceram em um evento da OAB-SP (Ordem dos Advogados) em junho e foram destacadas pelo portal Metrópoles nesta semana.

"O planeta não será salvo por nós. Ninguém salva o planeta Terra, geralmente ele se salva sozinho. Ele o faz há 4,3 bilhões de anos. E muda o clima em todo esse período", afirmou. "Nós somos parte do problema para a vida na Terra neste momento, mas nossa solução é muito pequena. Os fatores são de ordem geológica, cósmica e solar."

Ele disse ainda que o entendimento do tema seria um problema porque "ciência não é consenso".

Homem branco, de terno cinza e cabelos brancos, discursa em púlpito
Secretário executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, em evento com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do estado de São Paulo - Seclima - 13.fev.2023/Divulgação

Nesta quarta-feira (12), durante a apresentação do segundo relatório do PlanClima SP (Plano de Ação Climática do Município de São Paulo), o advogado reiterou as posições e desacreditou o trabalho do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O órgão, vinculado à ONU, é a maior autoridade científica sobre o tema.

"Em se tratando de um painel científico vinculado a um tratado internacional, consensos são obrigados a surgir", afirmou. "Isso é muito importante ser entendido, porque tem muita gente que hoje está elevando a questão climática a uma visão religiosa. É uma pobreza que a gente precisa evitar na cidade de São Paulo."

O consenso científico no IPCC é construído com a leitura de milhares de estudos que dão origem a relatórios.

Em 2021, uma análise de quase 90 mil artigos científicos revisados por pares mostrou que mais de 99,9% dos pesquisadores do mundo concordam que as mudanças climáticas atuais são causadas pela emissão de gases de efeito estufa pelas atividades humanas.

No evento, o secretário ressaltou na sequência que é preciso adaptar e tornar a cidade resiliente a eventos climáticos extremos, porém, com a ressalva de que o clima não seria submetido à escala de tempo dos humanos.

"Se faz importante fazer com que a gente resguarde nossos cidadãos face aos eventos extremos que sofremos —e que não seguem o calendário juliano, obviamente. Seguem o calendário que advém do próprio comportamento geológico do nosso planeta."

Para o IPCC, esta década é crucial para mudar a trajetória das emissões de gases-estufa. O painel destaca que elas devem ser cortadas em pelo menos 48% até 2030 para que o mundo contenha o aquecimento global em até 1,5°C.

Questionado pela Folha se acredita que as mudanças climáticas são provocadas pela atividade humana, Pinheiro Pedro respondeu que sim, mas que o clima não obedece a "determinações postas no papel".

"É óbvio que tem uma interação entre o planeta Terra e os seres que habitam a sua superfície. O que eu disse é que o planeta Terra resolve seus problemas livrando-se do que está na superfície", disse.

"Não adianta você achar que o clima, mesmo que você seja elemento provocador, vai obedecer determinações postas no papel, entendeu? Com prazos estabelecidos pelo ser humano dentro do calendário juliano. Não é assim."

O painel científico da ONU, em contraste, afirma que a ação imediata ainda dá chances de conter os efeitos mais severos da crise climática.

Sobre a redução das emissões de carbono, ponto que consta no plano climático municipal, ele afirmou que elas influenciam o microclima, mas diminuiu a importância delas para o cenário mundial. "No nível global, pode ser que melhore. A nível local é fundamental."

Estimativas da ONU Meio Ambiente apontam que as cidades são responsáveis por 75% das emissões globais de CO₂.

Em texto publicado em um blog pessoal, encaminhado à reportagem por Pinheiro Pedro, ele é ainda mais duro quanto ao IPCC. "Nesse caso, a ciência é convenientemente guardada no armário... e os céticos tornam-se politicamente inconvenientes", escreve.

O físico Paulo Artaxo, professor da USP e um dos membros do IPCC, afirma que o secretário ignora o conhecimento científico. "A comunidade científica alerta sobre os impactos climáticos das emissões de gases de efeito estufa desde a Conferência de Estocolmo, ocorrida 50 anos atrás", explica.

"É preocupante uma cidade importante como São Paulo ter em seus quadros uma pessoa que não se alinha ao seu próprio papel, que é trabalhar para que a cidade seja mais resiliente às mudanças do clima, e que faça a sua contribuição para reduzir as emissões de gases de efeito estufa", avalia.

Pinheiro Pedro está à frente da secretaria-executiva, vinculada à Secretaria de Governo, desde 2021, quando Ricardo Nunes (MDB) assumiu a prefeitura. Procurado, Nunes não se pronunciou sobre as declarações.

Em nota, a gestão afirma que "desenvolve amplo programa de combate às mudanças climáticas, conservação de áreas verdes e recuperação de áreas em mananciais". "Os resultados alcançados evidenciam o acerto dessa política, com o aumento da cobertura de vegetação do município, que subiu de 48% para 54,13% do seu território", escreve.

Para Silvia Ferraro (PSOL), vereadora da Bancada Feminista e presidente da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara, ao afirmar que as ações humanas não vão salvar o planeta, o secretário demonstra que "despreza as políticas públicas que possam minimizar a crise climática".

"Ele se mostrou um negacionista, o que não condiz com o cargo que ocupa", diz.

Também para o Observatório do Clima, rede de mais de 80 organizações socioambientais do Brasil, a posição ocupada por Pinheiro Pedro não é coerente.

"É uma perda deliberada de liderança climática pelo município ao colocar um negacionista do clima numa posição de secretário, mas é o que a gente ganha com essa diáspora do bolsonarismo. Todos eles foram se refugiar no governo do estado de São Paulo, na prefeitura e na Câmara dos Deputados", avalia Claudio Angelo, coordenador de comunicação e política climática da entidade.

"Não é de hoje que os negacionistas do clima sofisticaram um pouco a sua argumentação. Em vez de dizer 'isso não existe', há muitos anos eles vêm dizendo 'ah, até existe, mas é muito incerto e o papel dos seres humanos é muito pequeno'", diz.

Além da questão do clima, outras postagens nas redes sociais e no blog do secretário demonstram seu posicionamento político sobre armas e o 8 de janeiro.

Em dezembro, defendeu um "contragolpe" após as eleições presidenciais. Em janeiro, após um grupo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadir e depredar as sedes dos três Poderes, em Brasília, escreveu que as pessoas detidas após envolvimento nos atos eram "presos políticos".

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