Acusado de negacionismo, secretário municipal do clima de São Paulo ajudou a arquitetar 'boiada' de Salles

Pinheiro Pedro fez parte do grupo de transição que desidratou Ministério do Meio Ambiente e conselhos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O secretário-executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, fez parte da equipe de transição do governo Jair Bolsonaro (PL) e ajudou a elaborar a política adotada por Ricardo Salles (PL-SP) à frente do MMA (Ministério do Meio Ambiente).

Declarações recentes do secretário da capital paulista sobre a crise climática foram consideradas negacionistas por especialistas e políticos da oposição.

Na noite desta quinta-feira (13), ele foi exonerado do cargo pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). Segundo nota da gestão municipal, a demissão ocorreu a pedido de Pinheiro Pedro.

Em junho, ele disse que o planeta "se salva sozinho" do aquecimento global e criticou o consenso científico em torno do tema. Nesta quarta-feira (12), reiterou as posições e desacreditou o trabalho do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Em documentos do grupo de transição do governo Bolsonaro, Pinheiro Pedro defende a desidratação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), um dos principais órgãos consultivos para a área.

Homem de cabelos brancos, terno preto e camisa cinza discursa em púlpito marrom
Discursando em evento da OAB-SP, secretário municipal do clima de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, disse que o planeta "se salva sozinho" do aquecimento global - Reprodução/OAB-SP/Youtube

"Inchado e com uma composição de natureza política, o Conama termina por atuar emocionalmente, sem a devida técnica, sujeitando-se a interferências de ordem ideológica e corporativista pouco afetas [sic] à política de Estado", diz a nota.

Em 2019, menos de cinco meses depois de tomar posse, um decreto de Salles, que agora é deputado federal, reduziu o número de integrantes com direito a voto de 96 para 23 e diminuiu a participação da sociedade civil. A medida foi proposta na transição.

"O caminho é reposicionar o Conama, alterando sua composição e estrutura, por decreto. O plenário do Conama poderia ser reduzido a um número pequeno de conselheiros nomeados, indicados periodicamente pelo Executivo", recomendou Pinheiro Pedro no texto.

A tática de afrouxar a política ambiental por meio de decretos ganhou o apelido de "passar a boiada" quando foi ressaltada por Salles, numa reunião ministerial, em abril de 2020.

Procurado pela reportagem para comentar as críticas às políticas sugeridas por ele, Pinheiro Pedro disse que o que pensa está "escrito, assinado e publicado".

O Conama tem a responsabilidade de elaborar as políticas públicas a serem implementadas pelo ministério.

A composição do conselho foi modificada em fevereiro deste ano, quando um decreto do presidente Lula (PT) determinou que a mesa passasse a ser composta por 114 membros. Após a sociedade civil pedir por paridade e maior diversidade de representantes, a atual formação do órgão deve passar por uma nova reformulação.

Na nota escrita durante a transição do governo federal, Pinheiro Pedro critica, ainda, a composição do quadro técnico do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), afirmando que a carreira de especialista em meio ambiente tinha ganhado "contornos ideológicos" e a presença de "militantes profissionais".

O advogado acrescenta que esse "efeito de militância" também ocorreria no Ministério Público. "O resultado pode ser visto na impressionante judicialização ocorrente no espaço da gestão ambiental", escreve.

Durante a gestão Bolsonaro, uma série de ações mexeu no andamento jurídico da fiscalização ambiental. Um ato de Salles, por exemplo, instituiu um processo de "conciliação de multas" entre infratores e o Ibama. Isso retirou poder dos fiscais e travou o processo de sanção a crimes ambientais. A norma foi revogada pela ministra Marina Silva.

Outra medida foi implementada pelo então presidente do Ibama, Eduardo Bim. No ano passado, por despacho, ele invalidou etapas de processos de infração ambiental e, na prática, fez com que prescrevessem uma série de multas aplicadas, chegando a R$ 29,1 bilhões. Em março, sob a gestão de Lula, o despacho foi anulado.

Bim também fez parte da equipe de meio ambiente no governo de transição de Bolsonaro, ao lado de Pinheiro Pedro e Salles.

Coordenado pelo engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, ex-chefe-geral da Embrapa Territorial e guru ambiental de Bolsonaro, o grupo recomendou outras mudanças criticadas por especialistas por enfraquecerem o Ministério do Meio Ambiente, como a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura.

O Serviço Florestal é o responsável por implementar políticas ambientais e fazer as concessões florestais. O órgão voltou à alçada do Meio Ambiente no governo Lula.

"Não me espanta ver esse tipo de negacionismo de livro-texto saindo da boca de uma pessoa que ajudou Ricardo Salles e Evaristo de Miranda a destruir a governança climática federal no Brasil durante a transição do governo Bolsonaro", diz Claudio Angelo, coordenador de comunicação e política climática do Observatório do Clima, rede de mais de 80 organizações socioambientais.

"O que me espanta é a prefeitura da maior cidade do país dar guarida a esse tipo de ideologia", completa.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, não comentou a demissão do secretário até a conclusão da reportagem.

Também partiu da equipe de transição a ideia de fundir o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

O ICMBio é o órgão responsável pela gestão das unidades de conservação em todo o país, enquanto o Ibama tem como principal atribuição a fiscalização ambiental. Após críticas de especialistas e resistência dos servidores de ambos os órgãos, a fusão não aconteceu.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.