ONU diz que Belém tem grandes desafios e mandará equipe avaliar cidade para a COP30

Chefe climático do órgão, Simon Stiell lembra que capital paraense precisará abrigar mais de 70 mil pessoas; hoje, tem 12 mil leitos

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Belém (PA)

Visitando a Amazônia brasileira pela primeira vez, o chefe do braço climático da ONU (Organização das Nações Unidas), Simon Stiell, acredita que Belém precisa superar grandes desafios de infraestrutura para receber, em 2025, a conferência do clima do órgão —a COP.

O secretário-executivo da Convenção Quadro sobre Mudança Climática das Nações Unidas (UNFCCC, na sigla em inglês) esteve na capital paraense para a Cúpula da Amazônia, que começou nesta terça-feira (8).

"Acabei de passar dois dias aqui e certamente tive uma noção das qualidades históricas e culturais [de Belém], é uma cidade linda. Em termos de adequação para sediar uma conferência internacional e, especificamente, a COP, há muitas considerações logísticas que o governo precisa resolver", afirmou, em entrevista à Folha e ao Valor.

Homem careca, de terno preto e usando óculos, fala diante de microfone
Simon Stiell fala em coletiva de imprensa na COP27, em Sharm El Sheik, no Egito, em novembro de 2022 - Ahmad Gharabli/AFP

O evento não é exatamente um teste para a COP30, mas possíveis problemas como uma rede hoteleira enxuta e dificuldade de deslocamento pela cidade já aparecem, mesmo com um público bem menor.

De acordo com o Itamaraty, nos três dias dos Diálogos Amazônicos, que antecederam a cúpula de líderes de estado, 27 mil pessoas participaram das discussões. Para a COP28 deste ano, que acontece nos Emirados Árabes, o público esperado é de 70 mil pessoas —número que vem crescendo ano a ano e deve ser ainda maior para a COP30.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis - Pará, Belém tem atualmente 12.115 leitos de hospedagem.

"Então, como acomodar a logística em termos de acesso ao transporte, instalações, transporte aéreo e segurança? Essas são algumas das principais considerações com que o UNFCCC está trabalhando, em estreita colaboração com as autoridades brasileiras", explica, acrescentando que o governo brasileiro abraçou a oportunidade de sediar o evento com entusiasmo e grandes ambições.

Stiell diz, ainda, que a ONU planeja enviar uma equipe técnica a Belém para uma avaliação técnica. Os resultados informarão às autoridades brasileiras o que é necessário para botar o evento em pé.

"[A expectativa é que] essa avaliação preliminar possa ocorrer este mês", afirma. Ele pondera que, embora a ratificação oficial do Brasil como sede da COP30 vá ocorrer apenas na conferência deste ano, as autoridades têm se movido com grande velocidade para iniciar os preparativos.

Negociações da COP28 terão transparência, diz representante

A COP28 será realizada em Dubai, em dezembro, e preocupações têm sido levantadas não apenas pelo país-sede ser altamente dependente de combustíveis fósseis, mas também porque as negociações vão ser lideradas por Sultan al-Jaber, diretor da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi.

Apesar disso, a ONU não planeja coibir a presença do forte e crescente lobby do petróleo nas conferências climáticas. Neste ano, Stiell informa que os participantes devem declarar suas afiliações, informação que será tornada pública e também constará nos crachás de quem estiver no evento.

"Esta não é a resposta completa, mas é um grande passo na direção certa e atende aos apelos, da sociedade civil e outros, de que deve haver maior transparência no processo", diz, ressaltando, porém, que os acordos são conduzidos pelos Estados e que é deles a responsabilidade de garantir a integridade do processo.

Recentemente, Jaber afirmou que a COP28 deve render metas internacionais para triplicar a energia renovável e dobrar a economia de energia e a produção de hidrogênio até 2030. Falou também que seria necessária uma "redução responsável" que leve, até 2050, a um sistema livre de combustíveis fósseis "unabated" —ou seja, aqueles que não têm as emissões de carbono de sua produção capturadas.

Apesar disso, a maior parte das emissões destes materiais não vêm da produção, mas do uso de carvão, petróleo e gás.

Stiell afirma que existe um grande debate sobre o papel das tecnologias que ajudam a descarbonizar a produção de combustíveis fósseis e o impacto delas versus o apelo à redução e eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.

"A ciência é muito clara quanto à necessidade de reduzir e eliminar gradualmente os combustíveis fósseis 'unabated'", destaca, acrescentando que a forma como isso ocorrerá caberá a cada país. "Ainda há muito trabalho a ser feito em termos de como isso deve ser feito. Essa é a oportunidade que está sendo apresentada na COP28, com as conversas sobre transição energética."

Ele diz acreditar que a conferência será uma chance única para que tanto o país-sede como a comunidade global discutam caminhos de como fazer essa transição levando em conta tanto o clima e o meio ambiente como questões econômicas e sociais.

"É a oportunidade de fazer essas perguntas e começar a respondê-las, o que romperá parte da retórica existente —que está sendo usada por alguns como uma distração para tomar as medidas necessárias, seja em nível estatal ou dentro da indústria, no setor privado."

O secretário-executivo da UNFCCC se declara "seletivamente otimista" sobre os resultados da COP deste ano, que será a primeira avaliação formal do progresso em relação à meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C. As atuais políticas e promessas dos países não atingiriam esse objetivo.

Stiell afirma que essa é uma oportunidade de olhar o que foi feito até aqui e traçar estratégias mais ambiciosas para atingir a meta, além de desenhar como funcionará o fundo de financiamento para perdas e danos climáticos, criado na COP de 2022, no Egito.

Citou, ainda, o cumprimento da promessa assumida por países ricos, de fornecer US$ 100 bilhões anuais para cobrir custos de adaptação às mudanças climáticas em países em desenvolvimento. O fundo deveria ter sido estabelecido em 2020, mas até hoje a verba não foi repassada.

"[A COP trará] a oportunidade de os países desenvolvidos mostrarem a que vieram e cumprir suas obrigações pendentes com os US$ 100 bilhões. Isso ajudará a infundir confiança no processo e eliminar algumas das divisões que existem nas negociações", ressaltou.

A pendência em relação a este compromisso é um dos pontos mais discutidos na diplomacia climática, especialmente da parte das nações que seriam beneficiadas pelo fundo. À época recém-eleito presidente, Lula (PT) chegou a cobrar esta dívida em seu discurso na COP27.

Sobre a falta de um sistema de sanção ao descumprimento dos termos do Acordo de Paris, ele considera haver uma "obrigação moral" dos países signatários.

"A cada estação que passa, veremos os extremos da mudança climática em todos os continentes, todas as regiões, todos os países. Aqueles que podem ter pensado que estavam imunes estão realmente sentindo estas pressões", diz.

A repórter viajou a Belém a convite do Instituto Clima e Sociedade.

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