Descrição de chapéu Planeta em Transe

Lago onde já morreram mais de 150 botos bate novo recorde de calor no Amazonas

Em meio a seca severa, técnicos testam novas formas de retirada de animais de enseada em Tefé (AM)

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Manaus

A equipe que monitora botos vermelhos e tucuxis num lago superaquecido em Tefé (AM) detectou um recorde de temperatura das águas, encontrou mais um animal morto —depois de uma interrupção de óbitos por cerca de dez dias— e passou a testar novas formas de afugentar os golfinhos de água doce, diante da continuidade da seca extrema na região do médio rio Solimões.

As informações estão em um boletim técnico concluído nesta sexta-feira (20) pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, responsáveis pela operação de monitoramento dos animais no lago Tefé.

Homem puxa rede; a beira do rio está seca, com a terra quebrada
Equipe coordenada pelo ICMBio conduz, com a ajuda de uma rede, os botos para fora da parte mais rasa da enseada Papucu, no lago Tefé (AM), local onde morreram dezenas desses animais nas últimas semanas - Lalo de Almeida - 14.out.2023/Folhapress

O boletim atualiza o número de mortes de botos vermelhos (os botos cor-de-rosa, como são popularmente conhecidos) e tucuxis (outra espécie de boto, com menor porte): 154, desde 23 de setembro. Dentre os indivíduos mortos, 131 eram botos vermelhos e 23, tucuxis. Havia machos, fêmeas, filhotes, jovens e adultos.

Até agora, a hipótese mais provável para os óbitos é o superaquecimento do lago Tefé, especialmente na enseada de Papucu, bem próxima do porto de Tefé. A enseada é rica em peixes, e um dos destinos preferidos dos golfinhos.

Em 28 de setembro, houve um recorde de temperatura na enseada, conforme as medições feitas pelo Instituto Mamirauá. Os termômetros marcaram 39,1°C. Foi nesse dia que mais morreram botos e tucuxis: 70.

Segundo o boletim técnico do ICMBio e do Mamirauá, as águas do lago se aqueceram nos últimos dias, após um resfriamento causado por chuvas esparsas na região. Em um ponto muito raso do lago, onde não havia botos e tucuxis, um termômetro marcou 40,9°C.

Na manhã de quinta (19), as equipes envolvidas voltaram a se deparar com um animal morto, após dias sem a detecção de óbitos. Era um boto vermelho macho e jovem.

"Esse novo óbito vem logo após um evento de temperatura extrema observado no dia anterior, quando foram medidas temperaturas de águas superiores a 38,8°C", afirma o boletim técnico. "Isso reforça a hipótese de que a temperatura da água tem um papel importante na morte dos animais."

Uma saída encontrada por pesquisadores e servidores para a situação extrema foi a retirada de botos e tucuxis da enseada de Papucu, algo que nunca se viu na região.

A Folha acompanhou o começo desse processo de afugentamento dos animais, no último sábado (14).

Na boca da enseada, estacas de madeira foram instaladas de lado a lado, em formato de V. Uma abertura foi mantida no meio da grade armada, para passagem dos botos.

Com tanta comida no Papucu, a saída dos animais não seria espontânea. Assim, depois de muita discussão sobre o melhor procedimento a ser adotado, funcionários do Mamirauá começaram a conduzir a passagem de uma rede pela enseada, de modo a empurrar os botos até a saída.

A rede era armada e arrastada, seguida de uma "zoada" —um barulho com a corda e a própria rede na água— para impedir o retorno dos animais. Mais abaixo, era recolhida e armada de novo, até a grade. Parte dos botos seguiu o curso desejado pelos pesquisadores, em busca de poços mais profundos e frios.

Novas técnicas passaram a ser testadas, diante da continuidade dos riscos aos botos. Uma delas consiste na emissão de sons próprios para afugentar os animais. A outra é a colocação de uma cortina com objetos que evita a aproximação dos golfinhos. "O apetrecho é adaptado dos povos tradicionais do Havaí", cita o boletim do ICMBio e do Instituto Mamirauá.

O lago Tefé deságua no rio Solimões, que virou deserto em trecho da Terra Indígena Porto Praia de Baixo, como a reportagem da Folha constatou na sexta passada (13).

Mais perto de Manaus, o rio atingiu o menor nível da história das medições feitas. O curso d’água chegou a 3,61 m em Manacapuru (AM), conforme boletim divulgado pelo SGB (Serviço Geológico do Brasil) na quinta-feira. O recorde anterior era de 3,92 m, registrado em 26 de outubro de 2010.

A perspectiva é de uma subida mais lenta para o rio, e isso já ocorre. Houve chuvas no Peru e no alto Solimões, onde estão cidades como Tabatinga (AM) e Benjamin Constant (AM), locais que serão os primeiros a sentir a elevação do nível, segundo o SGB.

Em Tabatinga, o rio subiu 24 cm em 24 horas, conforme o boletim divulgado pelo SGB nesta quinta. Isso deve se espraiar pelo médio Solimões, onde estão Tefé e Fonte Boa (AM), até Manacapuru.

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