Senado aprova projeto de agrotóxicos, apelidado por ambientalistas de PL do Veneno

Proposta centraliza poder de avaliação de produtos no Ministério da Agricultura

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Brasília

O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (28) o projeto de lei que flexibiliza a autorização ao uso de agrotóxicos, apelidado por ambientalistas de PL do Veneno. O texto vai à sanção presidencial.

O texto concentra o registro de novos produtos no Ministério da Agricultura, esvaziando as atribuições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai
Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai - Lalo de Almeida - 6.mar.2021/Folhapress



O PL colocou em rota de colisão os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Meio Ambiente, Marina Silva desde a transição. A ala ambientalista chegou a sugerir, sem sucesso, a apresentação de um novo projeto de lei no primeiro semestre do ano. Agora a aprovação do texto ocorre às vésperas da COP28, a conferência do clima da ONU, que começa nesta quinta (30) em Dubai, nos Emirados Árabes, onde o tema deve ter repercussão entre ambientalistas

Para destravar a votação e tentar equilibrar os interesses, o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), retirou a possibilidade do registro temporário dos defensivos —um dos principais pleitos da bancada ruralista.

Segundo ele, a proposta "abre a possibilidade para a efetiva concessão de registro e comercialização no país de moléculas que sequer foram avaliadas pelos órgãos brasileiros competentes" e, por isso, deve ser rejeitada.


A bancada ruralista também defendia que o termo "agrotóxico" fosse substituído na legislação por "pesticida". Contarato, no entanto, disse que o primeiro "pode contribuir para dar mais clareza às embalagens quanto à toxicidade desses produtos".

"Muito embora haja um apelo pelo setor do agronegócio quanto à inadequação desse vocábulo, em razão do tom pejorativo que pode ser associado ao agronegócio nacional injustamente, entendemos que o termo 'agrotóxico' deve ser mantido no novo marco legal, até mesmo por obediência ao texto constitucional, que o utiliza para nomear esses produtos no § 4º do art. 220 da Constituição Federal."

A proposta ainda permite que defensivos agrícolas em reanálise, que hoje têm sua aplicação suspensa, possam ser utilizados antes mesmo do final do processo.

As mudanças são defendidas pela bancada ruralista por diminuírem o que o setor vê como burocracia excessiva no processo atual.

O Ibama chegou a elaborar uma nota técnica criticando uma série de pontos do projeto que delegam à pasta da Agricultura a coordenação da reanálise dos produtos. O processo é considerado sensível uma vez que pode vedar agrotóxicos em uso no mercado.

Pelo texto aprovado, em uma série de casos, os estudos feitos por Ibama e também pela Anvisa podem acabar como complementos ao entendimento da Agricultura sobre os processos.

Segundo a nota do Ibama, o projeto pode dar "poder desproporcional em relação ao Ibama e à Anvisa no processo de regulamentação e normatização de agrotóxicos".

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, vê um "grave retrocesso" no novo texto.

"A aprovação, a partir de acordo entre os ruralistas e o Poder Executivo, consolida grave retrocesso e dificilmente será objeto de veto presidencial", diz.

"Não há nada que realmente justifique a aprovação dessa nova lei dos agrotóxicos, a não ser atender os interesses dos fabricantes que buscaram afastar a vedação expressa existente na legislação atual de registro de produtos que causam câncer, distúrbios hormonais, danos ao meio ambiente e outros problemas graves."

Araújo aponta ainda que agrotóxicos para exportação terão sistema de controle precário.

Para Mauricio Guetta, assessor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental), "o projeto traz retrocessos inaceitáveis, como a derrubada da vedação atual de aprovação de agrotóxicos causadores de câncer e outras doenças graves". "Infelizmente, a tentativa de consenso não corrigiu este problema, colocando em risco a saúde da população brasileira", avalia.

A ONG Greenpeace chama de "vergonha" a aprovação do projeto de lei. "Na semana em que a 28ª Conferência do Clima [COP28] se inicia em Dubai, é uma vergonha para o Brasil a aprovação do PL 1.459/22, que vai colocar ainda mais agrotóxicos na comida da população brasileira e que contamina o meio ambiente, priorizando um modelo tóxico e insustentável de produção de alimentos", diz a porta-voz do Greenpeace Brasil, Mariana Campos.

"Precisamos diminuir as emissões de gases do efeito estufa para combater as mudanças climáticas, mas o Pacote do Veneno e outras propostas nocivas, como o marco temporal, irão piorar a crise em que nos encontramos", completa.

O PL está em tramitação no Congresso desde 1999, quando foi apresentado inicialmente pelo ex-ministro da Agricultura e ex-governador de Mato Grosso Blairo Maggi, à época senador da República.

O relatório construído por Contarato é avaliado por integrantes da bancada ruralista como não ideal, mas possível.

O avanço da proposta foi acordado ainda durante a transição de governo. Na época, no apagar das luzes do Congresso no ano de 2022, a Comissão de Agricultura (CRA) chegou a colocar a proposta na pauta.

Como resposta, a então equipe de transição combinou com o agro que o governo não impediria o andamento da matéria em 2023, mas trabalharia para tentar construir um texto alternativo, de consenso.

No meio do ano, ambientalistas e ruralistas chegaram a avançar em um acordo sobre a redação da matéria. O entrave, à época, foi justamente a retirada do registro temporário, algo que Contarato conseguiu manter até a redação final do texto.

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