Países discutem declínio do petróleo sob revelação de negacionismo científico da presidência da COP28

Rascunho de decisão cita 'reduzir ou eliminar' combustíveis fósseis; anfitrião da cúpula, após vídeo vazado, diz respeitar ciência

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Dubai

Sob a presidência do petroleiro Sultan al-Jaber, que comanda a companhia Adnoc, estatal dos Emirados Árabes, a COP28 (conferência do clima da ONU) tem mantido nas negociações os termos "reduzir" ou "eliminar", gradualmente, a produção de combustíveis fósseis —responsáveis por 75% das emissões de gases causadores do aquecimento global.

O rascunho em cima do qual os países trabalham desde o início da COP28 coloca na mesa algumas opções de rumo para a transição energética: "reduzir ou eliminar combustíveis fósseis"; "reduzir ou eliminar novas plantas de carvão" e, ainda, "eliminar subsídios a combustíveis fósseis observando a necessidade de transição justa".

O texto também registra os objetivos de triplicar energias renováveis e dobrar a eficiência energética no mundo, mas sem citar detalhes. As duas metas vêm de um anúncio de compromissos voluntários feito conjuntamente por 116 países no último sábado (2), incluindo o Brasil.

O documento, ainda que voluntário, cita metas específicas: triplicar renováveis até 2030, chegando em 11 mil GW e dobrar a eficiência energética no mesmo período, subindo 2% a 4% ao ano.

Enquanto boa parte dos anúncios voluntários inundam as atenções da cúpula do clima sem representar compromissos verificáveis, neste caso os consensos político e diplomático sobre a aposta nas renováveis e na eficiência caminharam próximos. Por isso, na avaliação de diplomatas e observadores, o anúncio voluntário tem chance de ganhar um status de compromisso diplomático, se for promovido à decisão final da COP28.

Jaber abre os braços enquanto fala ao microfone
Sultan al-Jaber, presidente da COP28 e também CEO da petroleira Adnoc, em entrevista coletiva nesta segunda (4) em Dubai - Karim Sahib/AFP

O tripé composto por triplicar renováveis, dobrar a eficiência e promover o declínio dos combustíveis fósseis nesta década compõe as recomendações da AIE (Agência Internacional de Energia) para que o mundo consiga manter o aquecimento global próximo de 1,5°C.

A AIE também sugere o ganho de escala dos investimentos na transição energética e aponta a necessidade do setor de fósseis cortar 75% das emissões de metano até 2030.

A posição do presidente da COP28 sobre a questão central da COP28 ficou conhecida no domingo (3), após a revelação, pelo jornal britânico The Guardian, de uma videoconferência em que Jaber afirma não haver ciência por trás da meta de eliminação dos combustíveis fósseis.

Em entrevistas anteriores, o líder da petroleira Adnoc não demonstrava negacionismo científico e havia afirmado que reconhecia a necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis.

Em reação, o presidente da COP28 convocou nesta segunda (4) uma entrevista coletiva para se pronunciar ao lado do presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), Jim Skea.

Ao lado do chefe do maior painel científico sobre o tema, Jaber buscou reafirmar seu respeito à ciência e disse que focaria nas negociações. Já Skea reforçou os dados sobre o abandono gradual dos combustíveis fósseis. sem se contrapor a Jaber. "Ele tem se atentado à ciência e entendeu completamente", disse.

"[Nos cenários de aquecimento global próximo de 1,5°C], o uso de combustíveis fósseis é bastante reduzido e o uso de carvão não compensado é completamente eliminado. Já o uso de petróleo até 2050 é reduzido em 60% e o uso de gás natural é reduzido em 45%", afirmou Skea.

Essa foi a segunda crise enfrentada por Jaber em poucos dias. No começo da semana anterior, às vésperas da COP28, reportagem da BBC em parceria com o Centre for Climate Reporting, expôs documentos que mostram como os Emirados Árabes planejaram usar conversas no âmbito da conferência para fechar acordos de petróleo.

Ao menos 15 países são citados, entre eles, o Brasil. Jaber nega o uso dessas anotações.

As propostas para promover o declínio dos combustíveis fósseis são negociadas no escopo do balanço global —uma avaliação prevista pelo Acordo de Paris para ser entregue em 2023 sobre a implementação das metas climáticas dos países até aqui. Os países também esperam que o "global stocktake", como é conhecido no jargão climático, dê recomendações para a revisão das metas do próximo ciclo do acordo.

"Acelerar os esforços para a redução progressiva do carvão não compensado ou reduzido em emissões [o chamado 'unabated coal'] e eliminação progressiva de subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis", também diz o rascunho do documento, em um reforço do que foi acordado em 2021.

Ali, durante a COP26, na Escócia, foi a primeira vez que os países miraram, após três décadas de negociação, os principais causadores da crise climática.

O texto da COP26 previa, inicialmente, a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Após protestos da China e da Índia na plenária final da conferência, a decisão trocou a palavra "eliminação" por "redução". Apesar do recuo, o item entrou para ficar na agenda das negociações seguintes.

Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, o rascunho de texto que circula desde esta segunda-feira na COP28 "já é histórico", pelas "tantas opções para a eliminação dos combustíveis fósseis", o que representa "algo inimaginável há poucos anos".

"Contudo, falta clareza sobre a diferenciação no processo de transição energética, principalmente em relação à necessária liderança dos países desenvolvidos", pondera.

A repórter Ana Carolina Amaral viajou a convite de Avaaz, Instituto Arapyaú e Internews.

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