Dubai sedia COP28 sob acusações de conflito de interesse e desrespeito a direitos humanos

País é governado de modo autoritário; protestos serão realizados em áreas limitadas do evento

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Washington

A COP28, cúpula ambiental da ONU, começa nesta quinta-feira (30) em Dubai —e o clima já está ruim. A escolha dos Emirados Árabes como anfitriões do evento mais importante sobre mudanças climáticas levou a críticas nas últimas semanas.

A primeira dessas críticas é o fato de que o país está entre os maiores produtores de petróleo do mundo, contribuindo de maneira significativa para a mudança climática que a COP28 quer combater. Os Emirados têm também uma das maiores reservas conhecidas desse combustível fóssil.

A ONU sofreu críticas desde a decisão de que o emirado de Dubai sediaria o evento. Mas a escolha não depende só de ideologia, diz Matthew Paterson, especialista em política climática e professor na Universidade de Manchester. Existe uma rotação entre diferentes regiões do mundo, e outros governos votaram e aprovaram os Emirados Árabes.

A decisão depende, também, de quais Estados se dispõem a abrigar um evento dessas dimensões, que exige investimentos em infraestrutura. Há a expectativa de que 70 mil pessoas participem da COP28.

Homens com vestes árabes brancas caminham em corredor decorado
Público chega à COP28, em centro de eventos em Dubai, nesta quarta (29), véspera da abertura oficial - Giuseppe Cacace/AFP

A escolha dos Emirados faz assim sentido do ponto de vista institucional, diz Paterson. O Brasil, que é também um dos maiores produtores de petróleo do mundo, se dispôs, aliás, a hospedar em Belém a edição de 2025 do evento do clima.

Essa não é a única crítica em relação à sede da cúpula, no entanto. O que mais indignou os ativistas ambientais foi a nomeação de Sultan al-Jaber como presidente da COP28. Jaber é também o chefe da Adnoc (Abu Dhabi National Oil Co.), gigante estatal petroleira dos Emirados Árabes.

Em outras palavras, uma pessoa responsável pela produção de petróleo vai liderar neste ano o debate internacional sobre como lidar com a mudança climática. "Isso é obviamente problemático", afirma Paterson.

As autoridades dos Emirados insistem desde o começo que a nomeação de Jaber é positiva, no sentido de que ele traz consigo sua experiência no setor. Isso ajudaria, por exemplo, na credibilidade de suas propostas para o desenvolvimento de alternativas que não impactem o crescimento econômico. Os Emirados dizem também que seu sucesso como anfitrião deve ser medido pelos resultados da cúpula, não pelas controvérsias.

Mas a situação ficou mais delicada com a revelação feita pela rede britânica BBC nesta semana de que os Emirados Árabes Unidos planejaram usar seu papel de anfitrião da COP28 para fechar acordos de petróleo e gás. Segundo documentos vazados, o país se preparou para negociar combustíveis fósseis com 15 governos —entre eles, o Brasil.

Jaber usa veste branca e movimenta pano que cobre a sua cabeça
Sultan Ahmed Al-Jaber, presidente da COP28, em evento em julho deste ano - R.Satish Babu - 27.jul.2023/AFP

Nesta quarta-feira (29), em encontro com jornalistas, Jaber disse que as acusações são falsas e representam uma "tentativa de minar o trabalho da presidência da COP28".

Reagindo a essa notícia, Ann Harrison, consultora da Anistia Internacional para assuntos climáticos, comparou a liderança de Jaber na COP28 com a decisão de colocar uma raposa para vigiar um galinheiro.

Segundo a reportagem da BBC, a equipe dos Emirados não negou que planeja usar as reuniões na COP28 para negociar acordos comerciais. Porta-vozes desse país também disseram que "as reuniões são privadas".

Nas instruções ao representante dos Emirados, para a conversa com Marina Silva, 'é importante assegurar o endosso' da ministra à aquisição de fatia da Braskem pela Adnoc - Reprodução/BBC

Paterson opina que, apesar do clima ruim, essas controvérsias não devem ter um grande efeito no rumo das negociações durante a cúpula. "As prioridades da COP foram estabelecidas muitos anos atrás, e as conversas se desenrolam de uma maneira mecânica, independente de quem é o anfitrião", ele afirma. A primeira COP foi realizada em 1995.

Há ainda uma terceira crítica quanto ao papel dos Emirados, porém. O país é governado de modo autoritário, sem deixar espaço para a dissidência. Usa inclusive métodos sofisticados de espionagem, por exemplo, instalando programas maliciosos nos celulares de jornalistas.

Como aconteceu no ano passado, quando o Egito hospedou a COP27, é pouco provável que ativistas consigam protestar em paz nesta cúpula.

A princípio, haverá um espaço específico para as manifestações na COP28. O receio, porém, é que os Emirados detenham ou reprimam opositores. Ativistas de outros países correm risco também —no passado, os Emirados detiveram estrangeiros no aeroporto de Dubai.

Isso importa porque, diz Paterson, os protestos em torno da COP e a atividade das ONGs dedicadas ao ambiente são um componente importante desse tipo de evento. Ajudam, por exemplo, a pressionar governos a tomar determinadas decisões relacionadas à política climática. "Os protestos devem ser limitados em Dubai", diz o professor.

Apesar dessas críticas, os Emirados têm a seu favor o fato de que, nos últimos anos, investiram sua riqueza na exploração de energias limpas. O país também já sinalizou planos de financiar projetos em países em desenvolvimento para lidar com as consequências da mudança climática.

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