Descrição de chapéu Financial Times Planeta em Transe África

Projetos de plantio de árvores ameaçam savanas da África, alerta relatório

Pesquisa destaca riscos de reflorestamento em locais que absorvem mais carbono sem esse tipo de vegetação

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Michael Peel Kenza Bryan
Financial Times

Uma campanha para plantar árvores em toda a África corre o risco de "duplo prejuízo", porque danificará ecossistemas de antigas savanas que absorvem dióxido de carbono, ao mesmo tempo em que não restaurará completamente as florestas degradadas, de acordo com uma pesquisa.

Metade das terras designadas para reflorestamento pela Iniciativa de Restauração da Paisagem Florestal Africana (AFR100) em 34 países está em savanas ou outras áreas não florestais, diz um artigo publicado na revista Science na última quinta-feira (22).

Homem, de costas, anda em direção a uma árvore em uma paisagem de savana, com uma casa mais ao fundo
Vilarejo do povo maasai no condado de Kajiado, no Quênia - Li Yahui - 1º.mar.2023/Xinhua

O estudo deve aumentar o debate sobre se projetos globais de plantio de árvores ajudarão a mitigar as mudanças climáticas e outros danos ambientais. Tais iniciativas têm atraído investimentos de governos ocidentais e entidades filantrópicas como o Bezos Earth Fund, criado por Jeff Bezos, fundador da Amazon.

"Há uma vasta área não florestal em toda a África designada para restauração, principalmente por meio do plantio de árvores", disse Catherine Parr, coautora do artigo e ecologista nas universidades de Liverpool, Pretória e Witwatersrand. "O foco exclusivo em florestas e árvores é altamente problemático para esses sistemas não florestais."

O projeto AFR100 busca restaurar pelo menos 100 milhões de hectares de terras degradadas —uma área do tamanho do Egito— na África até 2030, com grandes planos em países como Camarões, Etiópia, Mali e Sudão. Os apoiadores da iniciativa incluem o governo alemão, o Banco Mundial e a ONG WRI.

Mas cerca de metade dos aproximadamente 130 milhões de hectares que os países africanos se comprometeram a restaurar por meio do AFR100 é designada para ecossistemas não florestais, principalmente savanas e pastagens, de acordo com o artigo.

Os pesquisadores afirmam que só conseguiram encontrar evidências de um projeto —no Quênia— dedicado à restauração de pastagens. Mais de meia dúzia de países sem cobertura florestal fizeram compromissos com o AFR100, incluindo Chade e Namíbia.

"As árvores certas e na quantidade certa precisam ser plantadas no lugar certo", diz o artigo, acrescentando que muitas savanas e pastagens são classificadas incorretamente como áreas florestais em dados internacionais. "Até que a definição de floresta seja revisada, sempre haverá o duplo prejuízo do florestamento de antigas savanas e desmatamento de florestas virgens."

O AFR100 defendeu a iniciativa, que disse abranger terras degradadas tanto florestadas quanto não florestadas. Um dos princípios fundamentais do AFR100 é que as pastagens nativas não devem ser convertidas em florestas, disse o WRI, que é um parceiro técnico do projeto.

Muitos projetos de restauração do AFR100 envolvem adicionar árvores a terras agrícolas existentes para melhorar a fertilidade do solo, aumentar a retenção de água e reduzir a erosão do solo, acrescentou o instituto.

O Bezos Earth Fund, um dos financiadores do AFR100, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

A polêmica em torno da pesquisa destaca o atrito crescente relacionado a compromissos de filantropos e líderes corporativos de plantar um trilhão de árvores em todo o mundo. Esses planos ambiciosos enfrentam obstáculos, incluindo possíveis escassez de terras disponíveis adequadas para o plantio.

Outras questões dizem respeito à eficácia das árvores recém-plantadas em fixar quantidades significativas de dióxido de carbono —e à vulnerabilidade delas a riscos como incêndios florestais.

"Há um grande foco em nível internacional na questão do desmatamento, mas o nível de sofisticação e compreensão sobre ecossistemas, em geral, é realmente baixo", disse Alex Reid, assessor de políticas sobre natureza e finanças na ONG Global Witness.

Alguns cientistas e conservacionistas argumentam que é melhor focar na prevenção do desmatamento, criando incentivos para manter áreas florestais. Os gases de efeito estufa liberados pelo desmatamento representam cerca de 11% das emissões globais, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Países altamente florestados, como Gabão e Suriname, têm lutado por décadas para atrair interesse suficiente de investidores na proteção da natureza, inclusive por meio da emissão de créditos de carbono.

"É insano colocar muito esforço no reflorestamento quando ainda estamos derrubando florestas tropicais a uma taxa alta", disse Ed Mitchard, professor de mapeamento de mudanças globais na Universidade de Edimburgo e cientista-chefe da Space Intelligence, que mede estoques naturais de carbono usando satélites.

Ele afirmou que a maioria das iniciativas de plantio de árvores está "mexendo nas margens", dado que florestas naturais mais antigas armazenam mais carbono do que árvores mais jovens.

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