Brasil vira palco para cobrar países por emergência climática, diz chefe de corte de direitos humanos

Presidente de tribunal interamericano afirma que chuvas no RS são exemplo claro de urgência do tema

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Brasília

Audiências sediadas no Brasil têm subsidiado "um grande diálogo mundial" sobre a responsabilidade de países em relação à emergência climática, diz a presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a costa-riquenha Nancy Hernández López.

Ela participa neste mês de eventos no país para juntar informações que ajudem na elaboração de uma diretriz sobre as situações nas quais a corte poderá julgar —e eventualmente condenar— países por falta de ação em casos relacionados ao clima.

"Os estados querem que a corte se pronuncie sobre quais suas obrigações, segundo a Convenção Americana, para proteger o meio ambiente por ocasião da emergência climática e dizer quais medidas de direitos humanos têm que ser tomadas por eles, especialmente frente a populações em estado de vulnerabilidade e zonas que têm impactos diferenciados", afirma Hernández López, em entrevista à Folha.

Palco do teatro visto de cima, com camarotes luxuosos na lateral
Audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre mudanças climáticas no Teatro Amazonas, em Manaus, nesta terça (28) - Bruno Kelly/Reuters

A corte, que tem sete juízes, é responsável por interpretar e aplicar os dispositivos do Pacto de San José da Costa Rica, também chamado de Convenção Americana. O Brasil e países como o México, Argentina, Chile, Colômbia e Peru são signatários do acordo —e devem cumprir suas determinações.

A discussão acontece no mesmo mês que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Suíça por condutas omissivas no combate às alterações climáticas, por deixar de implementar legislação sobre o tema.

No caso europeu, uma associação de mulheres idosas afirmou que teve a saúde comprometida por causa das ondas de calor causadas pelas alterações climáticas.

No Brasil, os trabalhos acontecem em Brasília e em Manaus e são chefiadas pela juíza. As audiências começaram no último dia 20 e irão até o dia 29.

Em Manaus, serão ouvidas uma série de entidades e de partes interessadas sobre o tema. A magistrada aponta que o processo consultivo tem um recorde histórico de mais de 250 partes interessadas, inclusive de Estados que não fazem parte da Convenção Americana.

A juíza diz que os tribunais têm sido cada vez mais demandados para este tipo de ação, que relaciona a prevenção e à necessidade de atuação de emergências climáticas relacionadas aos direitos humanos.

Segundo ela, é necessário que "as populações mais vulneráveis sejam atendidas em suas necessidades específicas" em casos de tragédias.

Nancy Hernández López, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Nancy Hernández López, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos - Divulgação

"Há diferentes impactos pelos efeitos extremos do clima em crianças, idosos, populações indígenas e pessoas pobres", diz Hernández López.

Segundo ela, além da necessidade de prevenção, também é preciso que em crises de eventos climáticos extremos "as pessoas sejam atendidas e que sejam resguardados seus direitos, como a segurança, a saúde, a vida e a alimentação".

A data das audiências coincidiu com a tragédia causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul.

Hernandez Lopes afirma que o tribunal se solidariza com o povo do Brasil pela situação e afirma que "este é um exemplo claro de que a emergência climática não é futura, mas já está presente".

O pedido de um parecer consultivo sobre o tema direitos humanos e emergência climática foi solicitado à corte pelo Chile e pela Colômbia em janeiro de 2023.

Em abril, a corte já havia se reunido em Barbados, no Caribe, para discutir o tema. As reuniões no Brasil dão continuidade a esse debate.

López diz que a intenção é dizer "quais medidas de direitos humanos os estados teriam que tomar especialmente em relação às populações em estado de vulnerabilidade em zonas que têm impactos diferenciados".

A opinião final a respeito do tema deve ser divulgada apenas no segundo semestre deste ano ou no primeiro de 2025.

Além de manifestações consultivas, a Corte IDH pode tomar o que chama de "medidas provisórias", que são decisões urgentes, e também determinar se algum estado incorreu em responsabilidade internacional por violação de direitos. Também faz a supervisão do cumprimento de suas sentenças.

Recentemente, algumas decisões da corte sobre outras questões tiveram o Brasil como alvo. Uma delas é uma medida provisória de 2022 que requereu que país tomasse medidas para proteger a vida, a integridade pessoal, a saúde e o acesso à alimentação e água potável dos povos indígenas yanomami, ye’kwana e mundruku.

Nessa decisão, a corte "requere ao Estado que coordene de forma imediata o planejamento e a implementação dessas medidas com os representantes das pessoas beneficiárias e que os mantenha informados sobre o avanço de sua execução".

No ano passado, integrantes da corte foram a Roraima para supervisionar se o país está cumprindo essas medidas.

Na visita atual ao Brasil, os juízes da corte assistiram a uma apresentação do governo federal sobre o que tem sido feito na região.

Representantes da gestão Lula (PT) apontaram, por exemplo, a abertura de crédito extraordinário de R$ 1 bilhão para o plano que tem sido desenvolvido na região e a implantação e um espaço em Boa Vista para gerenciar os órgãos federais envolvidos no trabalho.

A corte também condenou o Brasil neste ano em dois episódios relacionados à violência policial.

Uma das decisões é relacionada a um caso em que agentes da Polícia Militar de São Paulo executaram, em 2002, 12 pessoas que viajavam de ônibus, durante a Operação Castelinho.

Entre as determinações, estão a de que o país adote medidas para geolocalização de movimentos de veículos policiais em São Paulo, além de garantir registro de operações policiais que resultem em mortes ou lesões graves de civis.

O Brasil também foi condenado pela morte de um integrante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) durante uma marcha pela reforma agrária em 2000, no Paraná.

Apenas um dos sete juízes da corte é brasileiro: o advogado Rodrigo Mudrovitsch, que também atua em uma série de casos que não são relacionados aos direitos humanos. Ele é, por exemplo, responsável pela defesa da Novonor (antiga Odebrecht).

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