Idosas suíças vencem processo inédito sobre crise climática em tribunal de direitos humanos

Falta de ação no campo ambiental coloca a vida em risco, decide Justiça

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São Paulo

Em uma decisão considerada histórica por ambientalistas, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos julgou que a falta de ações adequadas contra as mudanças climáticas pode constituir uma violação dos direitos humanos.

A Grande Câmara da corte, que trata apenas dos casos que levantem grandes questionamentos à interpretação da convenção dos direitos humanos, considerou válidos os argumentos apresentados por um grupo de idosas da Suíça contra o governo de seu país.

Com idade média de 73 anos entre seus membros, a associação KlimaSeniorinnen (Mulheres Sênior pela Proteção do Clima) recorreu ao tribunal europeu para pedir o reconhecimento de que são vítimas de violações de direitos humanos por conta da falta de políticas adequadas para limitar as consequências do aquecimento global.

Mulheres dando entrevista
Anne Mahrer e Rosmarie Wydler-Walti, que integram o grupo KlimaSeniorinnen, que venceu processo no Tribunal Europeu de Direitos Humanos nesta terça (9) - Christian Hartmann/Reuters

O grupo, que ficou conhecido como "vovós pelo clima", usou argumentos científicos para justificar a queixa. Diversos trabalhos, incluindo as conclusões do IPCC, o painel de cientistas do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), indicam que mulheres e pessoas idosas têm maior risco de mortalidade relacionada às ondas de calor, fenômenos que vêm se intensificando com as mudanças climáticas.

Além de acusar o governo da Suíça de não fazer o suficiente para assegurar seu direito à vida, o grupo também afirma que teve empecilhos para recorrer à Justiça no país.

Na manhã desta terça-feira (9), a corte europeia deu razão aos argumentos das idosas, considerando que houve violação dos artigos 8º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) e 6º (direito a um processo equitativo) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Embora o caso envolva a Suíça, essa decisão inédita estabelece um jurisdição para todos os mais de 30 países que são signatários da convenção europeia.

Duas mulheres conversam
Greta Thunberg, ativista sueca, conversa com Rosmarie Wydler-Walti, uma das idosas que processaram a Suíça por falta de ação contra crise do clima, no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França, nesta terça (9) - Christian Hartmann/Reuters

Advogada sênior do CIEL (Centro de Direito Ambiental Internacional), Joie Chowdhury diz que a decisão reforça a importância do aspecto judicial nas questões climáticas.

"O julgamento histórico de hoje, o primeiro de um tribunal internacional de direitos humanos sobre a inadequação da ação climática dos Estados, não deixa dúvidas: a crise climática é uma crise de direitos humanos, e os Estados têm obrigação de agir de forma urgente e eficaz, de acordo com a melhor ciência disponível, para prevenir mais devastação e danos às pessoas e ao meio ambiente", disse.

"A decisão reforça o papel vital dos tribunais —tanto internacionais quanto nacionais— em fazer com que os governos cumpram suas obrigações legais de proteger os direitos humanos contra danos ambientais", completou.

Ainda que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não tenha o poder de punir os governos que não cumpram suas decisões, o julgamento pode ser usado em processos nas cortes nacionais que peçam a responsabilização das autoridades que falham em seguir as determinações.

Ambientalistas esperam que o resultado dê novo fôlego à litigância climática, tanto na Europa quanto em outras regiões.

Na mesma audiência, a corte também se pronunciou sobre dois outros processos que pediam o reconhecimento da inação climática como violação e direitos humanos. O tribunal, no entanto, considerou que as outras duas ações não eram admissíveis para julgamento devido a questões processuais.

O primeiro caso foi apresentado pelo eurodeputado francês Damien Carême, membro do Partido Verde de seu país, que contesta a decisão do governo da França em não adotar medidas mais ambiciosas para conter as mudanças climáticas.

A ação mais abrangente, contudo, foi movida por seis jovens portugueses que processaram mais de 30 países —todos os membros da União Europeia, além de Rússia, Noruega, Suíça, Reino Unido, Turquia e Ucrânia.

O grupo, atualmente com idades entre 11 e 24 anos, afirmou ter a saúde e o futuro afetados pelos efeitos nocivos do aquecimento global e acusou as nações europeias de não agirem de forma contundente para reduzir as emissões de gases-estufa e conter os efeitos nocivos trazidos pela mudanças climáticas.

Os jovens decidiram se unir para exigir ações legais nos tribunais após os grandes incêndios florestais ocorridos em Portugal em 2017, que fizeram mais de cem vítimas.

O caso recebeu amplo apoio de ambientalistas de todo o mundo e foi viabilizado através de um financiamento coletivo na internet.

Os juízes europeus consideraram o processo inadmissível no tribunal por duas razões formais. A primeira é que os jovens não recorreram inicialmente aos tribunais em Portugal, um requisito antes de apelar para uma instância superior. Além disso, os magistrados entenderam que os demais países não tinham obrigações extraterritoriais nesse caso.

Apesar da derrota em seu processo, os portugueses se disseram satisfeitos com o desfecho da ação movida contra a Suíça.

"Eu realmente esperava que venceríamos todos os países, então obviamente estou desapontada que isso não tenha acontecido", disse Sofia Oliveira, 19. "Mas o mais importante é que o tribunal afirmou, no caso das mulheres suíças, que os governos devem reduzir mais as suas emissões para proteger os direitos humanos. Então, a vitória delas é uma vitória para nós também. É uma vitória para todos."

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