Brasil não tem estrutura contra fogo à altura da crise climática, diz presidente do Ibama

Rodrigo Agostinho vê plano insuficiente e pede esquadrão aéreo para incêndios como os do pantanal

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Brasília

Nos últimos anos, o Brasil registrou recordes de desmatamento no cerrado, de baixa de rios na amazônia, de chuvas no Sul e de fogo no pantanal.

Em 2024, por uma mistura de fatores climáticos e humanos, os incêndios se alastram pela maior planície alagável do mundo de forma inédita para esta época do ano, o que coloca sob pressão —e dúvida— o plano de combate ao fogo dos órgãos públicos, sobretudo do governo federal.

Presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho defende redesenhar a estratégia de enfrentamento e prevenção a queimadas, enchentes e outros eventos climáticos extremos.

"A gente domina técnicas de combate a incêndios, tem brigadistas, mas nunca teve uma frota de aeronaves, uma estrutura", diz ele à Folha. "O Brasil tem uma das coisas mais legais do mundo, que é a esquadrilha da fumaça, mas não tem uma esquadrilha contra o fogo".

Vista aérea de área queimada ao lado de área ainda verde, separadas por uma linha de fogo; as chamas formam um semicírculo na foto; ao lado do foto, no canto inferior direito da foto, estão alguns brigadistas, vestindo roupas de proteção amarelas
Brigadistas em combate a chamas na zona rural de Corumbá (MS) nesta quarta (26) - Pablo Porciuncula - 26.jun.2024/AFP

Nesta semana, o governo disponibilizou aeronaves militares para ajudar no combate. Como a Folha mostrou em reportagem recente, a falta de aviões e helicópteros atrasa as operações.

Agostinho afirma que os órgãos ambientais atuam com um plano elaborado após os incêndios de 2023, e que o órgão tem hoje 2.100 brigadistas, o que é um recorde —espera chegar a 2.400 ao final do ano.

"Mas, mesmo com tudo que a gente tem desenhado até aqui, talvez seja insuficiente. E aí temos que olhar para o que podemos repensar. O desafio é montar uma estrutura à altura da crise climática. Essa estrutura o Brasil ainda não tem. Não é uma crise do Ibama: é nacional, envolve estados e municípios", afirma.

Agostinho sorri
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, no Ministério do Meio Ambiente, em Brasília, na terça (25) - Pedro Ladeira/Folhapress

Alguns fatores ajudam a explicar a seca incomum para o pantanal nesta época do ano, segundo Agostinho. Ele explica que, há seis anos, por exemplo, não acontecem as tradicionais cheias, que alagam as planícies e umidificam o solo. Por outro lado, o agronegócio avançou pela região e trouxe desmatamento e especulação imobiliária.

A mata ciliar da cabeceira dos rios que correm para o pantanal foi destruída, o que reduz o volume de água. Além disso, cita, o degelo nos Andes, que também banha a região, foi pequeno neste ano.

Ambientalistas estudam ainda a ligação entre as chuvas no Rio Grande do Sul e a seca precoce no pantanal, afirma o presidente do Ibama.

Análises apontam que os chamados rios voadores —massas de água que se movimentam pelo ar— da amazônia, neste ano, em vez levarem as chuvas para o Centro-Oeste, foram direto para a região Sul. Isso teria deixado a primeira sem água e a segunda, inundada.

E, conta, talvez o principal fator para a antecipação da seca seja a ausência de intervalo entre os fenômenos El Niño e La Niña, normalmente separados por alguns meses —entre os quais chove no pantanal.

Assim, a bacia hidrográfica da região secou como nunca, constata Agostinho, e o fogo se alastrou bem antes do esperado, que seria no segundo semestre. Segundo ele, o governo antecipou para abril o início das ações previstas para o bioma, por ter detectado a situação anormal.

"O governo está fazendo trabalho de prevenção e combate ao mesmo tempo. Normalmente, a gente montaria a estrutura de enfrentamento ao fogo em agosto, setembro. Nunca tivemos brigadistas trabalhando em junho no pantanal", diz Agostinho.

O cenário preocupa, afirma Agostinho, sobretudo porque a estratégia de combate a incêndios é baseada em uma temporada de seca de seis meses. A deste ano deve durar oito, talvez até mais.

Um período de fogo maior exige mais recursos e também mais mão de obra —e a maior parte dos brigadistas é contratada de forma temporária, com base na projeção dos seis meses.

O trabalho também se intensifica com as condições climáticas, uma vez que, na seca severa, os incêndios se espalham com rapidez. Como mostrou a Folha, 95% deles surgem em propriedades privadas, a maioria por ação humana.

"A gente tem um plano, mas ele não consegue prever onde as pessoas vão colocar fogo, e 99% do fogo é colocado. A maior parte do pantanal está na mão da propriedade privada. Alguém faz uma fogueira para São João, ou para cozinhar, ou uma queima controlada, e perde o controle", diz Agostinho.

Atualmente, tanto o estado de Mato Grosso quanto Mato Grosso do Sul proibiram qualquer tipo de uso do fogo. O Ministério da Justiça investiga casos de incêndios criminosos.

Para o presidente do Ibama, as técnicas e instrumentos de monitoramento climático melhoraram muito nos últimos anos, mas ainda precisam de mais investimento. O nível de todo o rio Paraguai, por exemplo, é medido por uma única régua.

Ele pondera que a quantidade de matéria orgânica inflamável neste ano é menor do que em 2020 e 2023 —quando o bioma viveu outras duas e históricas crises de incêndio, em especial em 2020. Com menos "combustível", é possível que o fogo não tenha tanta força agora quanto nos outros casos.

Também afirma que, após os cortes do Congresso e do governo, já recompôs o orçamento do Ibama. O Ministério do Meio Ambiente, diz ele, busca recursos extraordinários para o combate às queimadas —R$ 100 milhões foram liberados e a pasta de Gestão e Inovação sinaliza que atenderá mais demandas.

"Hoje tenho um orçamento um pouquinho melhor do que o ano passado, mas nossa grande preocupação é a seguinte: a crise está só começando. Estamos em junho, e essa seca era para acontecer em setembro", diz. "A gente não sabe quando se ela vai passar, não temos garantia de que em novembro vai começar a chover."

Agostinho enfatiza ainda que, pela quantidade e variedade de eventos climáticos extremos, o país precisa ampliar suas estratégias em diferentes frentes.

"O Brasil precisa de uma estratégia não só para incêndios, mas para outras crises: enchentes, abastecimento de água, o mar subindo…", afirma. "Mas não basta um plano por um plano. Ele tem que se transformar em política pública, não pode ser um plano de governo, tem que ser de Estado, ser estruturado de forma contínua. Se você não o implementar, é apenas um papel."

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