Siga a folha

Ibama apreende veneno de sapo vendido ilegalmente para cura

Toxina extraída de perereca conhecida como kambô já causou ao menos uma morte no país

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Manaus

Natural de Cruzeiro do Sul (AC), o rezador José Abid de Almeida Neto, o Ysmiruá, foi até Santa Catarina para promover a cura por meio do kambô, toxina extraída de uma perereca amazônica que tem efeitos alucinógenos. Durou pouco tempo: no sábado (9), o Ibama e a a Polícia Militar apreenderam a substância, assim como artefatos feitos com partes de animais silvestres.

Ysmiruá, como prefere ser chamado, é um dos vários acreanos que percorrem o Brasil e o mundo aplicando a chamada “vacina de sapo” por meio de perfurações na pele.

“São várias pessoas. Eu tenho um conhecido que aplica na Tailândia. Ele pega os palitos [com veneno], põe no bolso e leva”, afirma o biólogo Moisés Barbosa de Souza, professor titular da Universidade Federal do Acre (AC).

A perereca Phyllomedusa bicolor da qual é retirada a toxina aplicada na pele e vendida irregularmente como cura - Pedro H. Bernardo/Folhapress

Propagandear o procedimento, de origem indígena, como fonte de cura é proibido desde 2004 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O Brasil já teve ao menos um caso de morte registrado.

O caso fatal por kambô ocorreu em 2008, em Pindamonhangaba (SP). Um homem de 52 anos morreu logo após a aplicação da toxina por um curandeiro.

Souza afirma que a toxina não tem eficácia cientificamente comprovada. “Sabe-se que é fungicida, bactericida e combate protozoários, mas não tem nenhum estudo que determina a dosagem e para que serve.”

Fora do Acre, Ysmiruá se apresenta como membro da etnia unicauá, que não existe. Em Santa Catarina, oferecia uma aplicação de kambô por R$ 75 antes de ter o material confiscado em Concórdia. É o segundo caso de apreensão no país —a primeira ocorreu neste ano, em Florianópolis.

“A minha intenção é levar cura pro mundo de hoje, que está carente. Tenho muitos pacientes que estão se desintoxicando das drogas, saindo da depressão, do estresse diário. Eu tenho consciência de que é proibido, mas é proibido para quem não sabe o que faz e para quem comercializa medicina. A minha intenção não é essa”, disse Ysmiruá, 30, à Folha, por telefone.

Ele afirma que aprendeu a aplicar o kambô com povos indígenas do Acre. Sobre a sua ancestralidade, disse que “a minha bisavó é indígena. E eu estou indo pro Acre agora pegar a autorização para representar o meu povo.”

Sobre a “tribo unicauá”, que aparece em sua página de Facebook, o rezador afirma que é uma má interpretação e que se trata de um grupo de estudos ao qual pertence.

A toxina é extraída das costas do kambô (Phyllomedusa bicolor) e não ocasiona a sua morte —além disso, segundo Souza, a perereca tem ampla distribuição pela Amazônia e, portanto, não corre risco de extinção.

Após a extração, a toxina, de consistência pastosa, é aplicada em pontos abertos na pele. A dosagem varia de acordo com o peso e o tempo de uso.

Este repórter experimentou o kambô em uma terra indígena no Acre, por meio de um pajé da etnia katukina. 

Logo após a aplicação, senti uma grande debilidade. Tive de deitar no chão e mal pude abrir os olhos. O coração batia mais forte, e o corpo inteiro pulsava.

Essa sensação terminou após alguns minutos quando o pajé, com a mão molhada, retirou a toxina dos pontos abertos no braço. A cerimônia foi realizada de madrugada e próxima de um igarapé, onde entrei para esfriar o corpo aquecido pela toxina. Durante o restante do dia, me senti mais disposto.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas