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Descrição de chapéu The New York Times

Incêndios na Austrália pressionam governo conservador a fazer mais pelo clima

Primeiro-ministro sugeriu que algumas formas de protesto contra queimadas deveriam ser proibidas

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Damien Cave
Sydney | The New York Times

Quem chega a Sydney de avião geralmente tem direito a vistas deslumbrantes de penhascos rochosos e águas cristalinas, mas quando a escritora Anna Funder olhou da janela do avião antes do pouso, na semana passada, só enxergou tragédia.

Fumaça cinzenta espessa cobria o horizonte e a costa, alastrando-se por quilômetros desde a linha de frente dos incêndios, na extremidade sudoeste da cidade, onde florestas ressecadas ardiam em chamas havia semanas.

“Nunca na vida vi algo assim”, disse Funder, premiada escritora australiana conhecida por suas histórias de crueldade e resistência. “Era uma nuvem imensa e terrível de fumaça branca elevando-se do chão."

Atrás dela, o resto do continente estava invisível. “Era como se o país estivesse sendo devorado por uma reação química.”

Apelidada de “Cidade Esmeralda” por sua beleza subtropical, Sydney agora se debate com um verão de fumaça sufocante. Incêndios na mata que ardem ao norte, sul e oeste da cidade desde o início de novembro levaram a fumaça e as cinzas não apenas aos bairros vizinhos aos incêndios, mas até os subúrbios litorâneos a mais de 80 quilômetros de distância.

Todos que vivem em Sydney sentem o gosto do fogo na boca e na garganta. Asmáticos em grande número lotam os prontos-socorros dos hospitais. As escolas vêm cancelando os recreios e as atividades esportivos. Nas suas casas, construídas para serem abertas ao ar e ao vento, as pessoas estão fechando as janelas hermeticamente com fita adesiva. Houve até relatos de alarmes anti-incêndio em edifícios comerciais desencadeados pela fumaça vinda de quilômetros de distância.

E o impacto da estação de incêndios deste ano, que começou muito antes do normal, geralmente não se limita às consequências físicas. Níveis crescentes de angústia e raiva emergem em toda parte em Sydney e se alastram como a nuvem de fumaça.

Para muitas pessoas, o governo conservador australiano, ao recusar-se a enfrentar a ameaça da mudança climática, está favorecendo o poderoso setor dos combustíveis fósseis em detrimento da maior cidade do país, sem falar nas áreas rurais onde os incêndios já destruíram centenas de casas.

A pressão sobre o governo australiano deve se intensificar. Protestos climáticos estão se tornando mais comuns. Nesses atos públicos, os ativistas que sempre participam vêm ganhando a adesão de novatos como Emily Xu, estudante de 13 anos que faltou às aulas no dia 29 de novembro para participar de uma manifestação no centro de Sydney.

Ela e alguns de seus amigos, todos de uniforme escolar, disseram que era o primeiro protesto do qual participavam e que o estavam fazendo porque os incêndios de repente deixaram os perigos da mudança climática mais reais para eles.

“Antes eu pensava ‘se não tivermos carvão, nossa economia não vai poder ganhar dinheiro’”, contou Xu. Agora os incêndios estavam chegando perto de sua casa e das casas de seus amigos, deixando-a menos preocupada com a economia e mais com a sobrevivência física.

Anna Funder, a escritora, disse que para seus três filhos, com 10, 15 e 17 anos de idade, é especialmente difícil entender o fato de a mudança climática não estar sendo combatida.

“Não tenho como explicar isso a meus filhos de uma maneira que faça os adultos parecerem atores morais e mentalmente sãos”, ela disse. “Nesta história, não é isso o que somos. Embora de todas as maneiras nós, adultos, procuremos proteger nossos filhos e o futuro deles, nessa questão nossa omissão e nosso fracasso está literalmente sufocando as crianças, obrigando-as a ficar encerradas dentro da escola, sem sair ao ar livre.”

Os psicólogos falam de um senso crescente de impotência e medo profundo.

“O estresse baseado no fato de que a fumaça espessa é capaz de acelerar condições cardiovasculares preexistentes é uma coisa”, disse Frans Verstraten, que ocupa a cadeira McCaughey de Psicologia na Universidade de Sydney. “Mas ele é agravado pelo outro tipo de estresse, que advém de as pessoas verem que não há muito que possamos fazer. O senso de impotência, perceber que você não pode fazer nada.”

Compartilhar nas redes sociais imagens de #sydneysmoke –a fumaça em Sydney— em suas várias cores, do laranja ao cinza, virou parte da rotina matinal de muitas pessoas.

Outras começaram a postar fotos de folhas queimadas que aparecem longe dos incêndios ou do sol escurecido, parecendo tão tóxico e vermelho quanto os próprios incêndios.

As pessoas descrevem em detalhes minuciosos como é a sensação de ter que encarar o alcance extenso dos incêndios, que são grandes o suficiente para serem vistos do espaço e estão tingindo de rosa as geleiras da Nova Zelândia.

@melissakp escreveu no Twitter: Só sinto o cheiro de fumaça. Só sinto o sabor de fumaça. Minha garganta está seca com as cinzas. Minha cabeça lateja. Estou a pelo menos 50 km de qualquer incêndio, provavelmente mais perto de 100 km de distância. Estar mais perto que isso deve ser totalmente sufocante. E está cheio de fumaça há semanas. #sydneysmoke

As autoridades estaduais lançaram avisos sobre os perigos. O departamento de meio ambiente de Nova Gales do Sul disse que “nossa rede registrou o nível mais alto de poluição aérea” já visto no estado.

Em novembro o departamento registrou 15 dias com qualidade do ar baixa, um número muito acima da média mensal. Na segunda-feira (2) o nível do material particulado PM2.5, o poluente mais prejudicial, estava 22 vezes acima do nível de segurança aceito –o equivalente a fumar mais de um maço de cigarros por dia. A expectativa é que a poluição chegasse a níveis semelhantes na sexta-feira (6).

Mesmo em comparação com as estações de incêndios terríveis de 1994 e 2001, “este evento”, disseram autoridades estaduais, “é o mais longo e mais extenso de nossos registros.”

Efeitos ambientais tão amplos levaram alguns países a mudar suas políticas públicas.

Na Cidade do México, ativistas enfurecidos com a poluição na cidade impeliram o governo a impor regras mais rígidas sobre as emissões dos veículos. Muitos acadêmicos pensam que a rápida adesão às fontes de energia renováveis vista na China nos últimos anos foi uma reação à poluição do ar e à preocupação crescente dos cidadãos com o impacto dela.

Mas na Austrália, onde no mês passado a qualidade do ar em Sydney foi classificada como entre as piores do mundo, o primeiro-ministro Scott Morrison vem resistindo.

“A resposta tem sido de reafirmar a negação da realidade”, comentou David Schlosberg, diretor do Instituto Ambiental de Sydney, na Universidade de Sydney.

Em vez de lidar com as preocupações da população, Morrison sugeriu que algumas formas de protesto devem ser proibidas e se recusou falar com bombeiros aposentados que vêm avisando há meses sobre a necessidade urgentíssima de mais recursos para combater os incêndios.

Na sexta-feira (6) Morrison apenas reconheceu que a nuvem de fumaça em Sydney “tem causado grande sofrimento às pessoas”. Ele recomendou que as pessoas baixem um app que rastreia os incêndios.

Questionado sobre um novo relatório que questiona o modo como a Austrália vem cuidando da Grande Barreira de Recifes, que está morrendo devido à mudança climática, o premiê reiterou uma afirmação falsa de que as emissões de carbono da Austrália estão em queda —cientistas demonstraram que elas ainda estão subindo.

Alguns críticos começam a se perguntar por quanto tempo o governo vai conseguir manter sua posição.

“Não vejo como os ataques deste governo contra preocupações genuínas, somados à sua falta de ação em relação às emissões e às políticas de adaptação à mudança climática, poderão continuar por muito tempo, especialmente em vista dos desastres e emergências crescentes”, disse Schlosberg.

O mínimo que se pode dizer é que o ar cheio de fumaça está obrigando todos a questionar a visão que sempre tiveram de Sydney, cidade onde o ar fresco e a brisa do mar sempre foram vistos como direitos inatos de seus habitantes.

No topo do edifício mais alto da cidade, o Sydney Tower, turistas chineses se disseram chocados por conseguir divisar tão pouco.

No Hyde Park, a algumas quadras de distância, Julian deCseuz, 75 anos, estava sentado num banco com uma máscara cobrindo o rosto. Após algumas horas de uso, o algodão branco da máscara já estava marrom.

“Os incêndios na mata sempre foram um problema na Austrália, mas nunca vi incêndios tão graves”, ele comentou. “Já estive em Pequim e Déli. As condições aqui estão muito semelhantes a essas cidades.” 

Com reportagem de Isabella Kwai; tradução de Clara Allain

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