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Planeta em Transe desmatamento

Prometer queda no desmatamento ficou fácil, desafio é reverter patamar

Devastação sob Bolsonaro pode virar parâmetro confortável para candidatos, mas alívio não será suficiente para frear crise climática

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São Paulo

Um perigo remanesce depois que passamos pelo pior: o de nos acostumarmos. Ao longo do governo Bolsonaro, a Amazônia saltou para um novo patamar de devastação, que pode virar referência para a celebração de alívios nos números seguintes. No entanto, mais do que frear o novo ritmo de desmate, o país precisará revertê-lo, em pouquíssimo tempo.

O desmatamento saltou de uma média de 7.000 km² —mantida entre 2015 e 2018, em uma média simples dos dados do sistema Prodes, produzido pelo Inpe— para mais de 10 mil km² em 2019, subindo novamente para 10,9 km² em 2020 e para assustadores 13 mil km² em 2021. Foi quando o governo, que lá no início do mandato comprava uma crise diplomática com os europeus pelo direito de desmatar o próprio território, decidiu esconder os dados do mundo, mentindo na conferência de clima da ONU ao falar em queda do desmatamento.

Floresta devastada em Rondônia, na região da Amazônia - Adriano Machado - 28.set.2021/Folhapress

Os dados do sistema Deter (Inpe) divulgados nesta sexta-feira (12) confirmam a consolidação desse patamar: a devastação de 8.590 km² da Amazônia entre agosto do ano passado e julho deste ano só fica atrás dos períodos 2019-2020 e de 2020-2021.

Enquanto desmatadores aproveitam o que pode ser o último semestre da anistia concedida pelo governo Bolsonaro, que paralisou 98% dos processos de multas ambientais, candidatos à Presidência e também aos governos estaduais anunciam compromissos na direção contrária: a de retomada da fiscalização e das políticas ambientais.

Por um lado, o exemplo extremo do projeto antiambiental de Bolsonaro serve como catapulta para a orientação das candidaturas na direção de projetos comprometidos com a proteção. Por outro, há o risco de ele virar um novo parâmetro para a medição de progressos.

O risco é que o parâmetro bolsonarista crie um ambiente de compromissos confortáveis, que representam algum alívio se comparado ao descontrole que vivemos nos últimos anos, mas que não nos livrará do colapso ambiental e climático. A alternativa é partir das balizas científicas e das experiências mais bem-sucedidas.

Os novos governantes serão responsáveis por percorrer metade do caminho —ou o percurso todo, em casos de reeleição— até o prazo para zerar o desmatamento da Amazônia, entre 2028 e 2030.

O final da década marca um limite imposto pela meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris de mudança do clima e também pela ciência, já que a devastação atual nos coloca em cima do ponto de não retorno, a partir do qual o bioma não consegue se regenerar e começa a perder as características de floresta tropical.

O fim da década também coincide com o prazo dado pelo painel do clima da ONU para que os países cortem 55% das suas emissões, como forma de evitar os cenários mais catastróficos da crise.

O país já conhece parte do percurso para reverter o patamar atual de desmate, pois conseguiu o feito em 2009, quando, por meio de ações como a moratória da soja e o PPCDAm (Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento da Amazônia), fez despencar pela metade o desmatamento na Amazônia.

De um ano para o outro, a taxa caiu de mais de 12,9 km² para cerca de 7.500 km², segundo o sistema Prodes, do Inpe. A tendência de queda se manteve e chegou ao mínimo histórico de 4.600 km² em 2012 —ao mesmo tempo em que o PIB agropecuário decolava, provando a independência do agronegócio em relação ao desmatamento.

Mais do que repetir o feito, no entanto, o país ainda precisa corrigir a omissão que levou o cerrado a pagar, como boi de piranha, os esforços de conservação da Amazônia. Naquele período, enquanto o governo fechava o acordo setorial para a moratória da soja na Amazônia, o cerrado era dominado pela monocultura voltada à exportação.

A devastação do cerrado vinha alta em 2018 e chegou a cair no primeiro ano da gestão Bolsonaro, mas voltou a crescer e manteve um patamar próximo de 4.500 km², segundo o Deter. Nos primeiros sete meses deste ano, o desmate no bioma já chegou a 4.100 km², sendo 29% superior que no mesmo período de 2021.

Aqui, mais uma vez, a tendência de candidatos da oposição adotarem a distância do bolsonarismo como parâmetro para seus posicionamentos ambientais pode deixar o país enguiçado à beira do abismo climático: não só próximo do ponto de não retorno da conservação da Amazônia, mas também do agravamento da insegurança hídrica causada pela devastação do cerrado. O bioma guarda as nascentes dos rios que abastecem o agronegócio e as cidades de boa parte do país.

Enquanto a Amazônia é fundamental para a mitigação climática mundial, pelo seu estoque de carbono, o cerrado é aliado da adaptação climática do país. Sem sua conservação, a insegurança hídrica, intensificada pelo aquecimento global, pode se tornar incontornável.

Agora, em período eleitoral, mais do que fazer política ambiental para inglês ver, o país precisa encontrar suas próprias razões para discutir a reversão do patamar bolsonarista de desmatamento, no bojo de uma discussão sobre modelo de desenvolvimento.

Ainda que candidatos à esquerda e à direita pautem a política ambiental como um capítulo à parte em seus programas, seus planos estão inexoravelmente condicionados à regulação do clima e à resiliência dos biomas, seja para discutir segurança alimentar, geração de energia, saúde ou saneamento.

O patamar de desmatamento que aceitaremos nos próximos anos indica —como uma espécie de orçamento— a capacidade de execução dos planos oferecidos nessas eleições. Elas já correm sob o relógio da crise climática.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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