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Descrição de chapéu universidade Ásia

Camundongo gerado sem pai chega à idade adulta e se reproduz em laboratório

Mecanismo de partenogênese é um processo no qual apenas o óvulo da mãe dá origem aos filhotes

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São Carlos (SP)

Pesquisadores na China e nos EUA foram os primeiros a gerar mamíferos aparentemente saudáveis por meio da chamada partenogênese, processo no qual apenas o óvulo da mãe dá origem aos filhotes, sem a necessidade de um pai.

O feito, realizado com camundongos, pode ter aplicações na criação de animais no futuro, mas seu principal impacto deve ser sobre a compreensão do processo que vai da fecundação ao desenvolvimento do organismo adulto em seres vivos como nós.

O mecanismo de "nascimento virgem" (significado do termo de origem grega "partenogênese") está descrito em detalhes num artigo publicado recentemente no periódico científico PNAS.

Camundonga se torna mãe após ser gerada por meio da chamada partenogênese, processo no qual apenas o óvulo da mãe dá origem aos filhotes, sem a necessidade de um pai - Reprodução/PNAS.ORG

O trabalho foi coordenado por Yanchang Wei, do Laboratório Central de Reprodução Assistida e Genética Reprodutiva de Xangai, e também contou com a participação de pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Francisco.

Um das fêmeas geradas por partenogênese até chegou à idade adulta e gerou filhotes normalmente, de acordo com o estudo.

Embora a capacidade de gerar filhotes sem a participação de um macho esteja presente, de uma forma ou de outra, em vários grupos de invertebrados e vertebrados, nada parecido tinha sido visto em mamíferos até hoje. Tudo indica que isso se deve à importância de um processo como "imprinting", ou estampagem genômica.

A maioria dos seres vivos que se reproduzem sexualmente herda metade de seu DNA da mãe, enquanto a outra metade vem do pai. No "imprinting", ocorre uma marcação bioquímica de determinados trechos do DNA paterno e materno, fazendo com que certas regiões fiquem ativadas ou desativadas (em geral, essas regiões são diferentes, a depender do genitor que as transmitiu ao novo organismo).

É como se os genes viessem marcados com uma etiqueta, dizendo algo semelhante a: "Esta cópia do gene é de origem paterna; favor usar apenas a versão correspondente que está no DNA materno".

A principal hipótese usada para explicar esse curioso fenômeno tem a ver com uma espécie de corrida armamentista evolutiva entre pais e mães nas espécies de mamíferos. Como o filhote se desenvolve dentro do corpo da mãe, os interesses de cada um dos genitores não são exatamente iguais.

Do lado paterno, é mais vantajoso que o bebê absorva o máximo possível de nutrientes, para que tenha chances elevadas de gerar seus próprios filhotes no futuro. Do lado materno, no entanto, fetos "gulosos" demais são um risco para a saúde da grávida, que poderia perder sua capacidade de gerar mais bebês no futuro ou até morrer.

Desse ponto de vista, a forma padrão do "imprinting" seria uma espécie de acordo de paz bioquímico entre pais e mães, com um meio-termo entre os interesses genéticos dos dois lados. E, de fato, existem evidências de que, quando a estampagem genômica não funciona direito, bebês podem nascer com problemas de desenvolvimento ou aumenta o risco de morte durante a gravidez.

Para contornar essas barreiras, Yanchang Wei e seus colegas usaram técnicas de biologia molecular que funcionam como uma borracha, apagando o "imprinting" de genes já sabidamente importantes para o desenvolvimento, tanto do lado materno quanto do lado paterno. Isso foi feito em óvulos de camundongo, num processo de tentativa e erro que, por fim, acabou funcionando.

O passo seguinte foi unir os óvulos a células "irmãs" deles, os corpos polares, que são formados no processo de divisão celular que dá origem aos óvulos. Foi como se a fecundação com espermatozoides fosse imitada por essa fusão de células femininas oriundas da mesma fêmea.

Flora, fêmea de dragão-de-komodo que botou dois ovos fecundados sem os machos, no zoológico de Chester (Inglaterra). A partenogênese foi observada em dois zoológicos na Inglaterra e descrita por biólogos em estudo na revista "Nature" - Andrew Yates - 26.nov.10/AFP

O processo é extremamente ineficiente: foram necessárias centenas de óvulos para que apenas três filhotes partenogenéticos nascessem, e só uma das fêmeas conseguiu se desenvolver e se reproduzir. Mesmo assim, trata-se de um feito importante, diz Lygia da Veiga Pereira, do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, na USP.

"A capacidade de fazer múltiplas alterações, simultâneas e específicas nos oócitos [óvulos] é um ponto impressionante", afirma ela. "O mesmo vale para o fato de que a alteração de somente oito centros de ‘imprinting’ foi suficiente para resolver a questão da equivalência dos genomas materno e paterno. É um número pequeno, dado que, em camundongos, existem cerca de 150 genes ‘imprintados’."

Por outro lado, lembra ela, o fato de ter sido gerada uma fêmea adulta e fértil não significa que a cognição ou outras características do animal não tenham sido alterados por causa do processo. É esse senão que deve impedir qualquer possibilidade do uso da técnica em seres humanos durante muito tempo.

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