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Pandemia pode ser associada à percepção de que tempo passa mais devagar, diz estudo

Aproximadamente 65% dos participantes relataram que o tempo pareceu ser mais lento

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São Paulo

Atrasado para o trabalho, você sai correndo de casa. Chegando ao ponto de ônibus, espera pelo transporte público. Diante da pressa, o tempo de espera se torna uma eternidade, quando, na realidade, você só aguardou poucos minutos até o veículo parasse na sua frente.

O caso acima é um exemplo de como o tempo em si não muda, mas a percepção que temos pode fazer com que ele pareça ser mais rápido ou devagar. Um novo estudo investigou essa compreensão que temos sobre o tempo durante a pandemia de Covid-19 e observou que alguns fatores comuns durante o isolamento social, como a solidão, podem estar associados a uma interpretação de que as horas demoram mais a passar.

Pedestres de máscara na avenida Paulista; percepção do tempo pode ser afetada por vários fatores - Eduardo Knapp - 8.mar.22/Folhapress

Publicado na revista Science Advances, a pesquisa é assinada por pesquisadores de diferentes instituições, como a UFABC (Universidade Federal do ABC) e o Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein.

Antes dessa investigação, outras já vinham tentando entender como o período de quarentena afetou a relação da pessoa com o decorrer das horas. "Uma das coisas que outros estudos já apontavam era que medidas objetivas, como idade e aspectos demográficos, parecem não ser preditores tão bons dessa sensação da mudança na percepção de tempo", afirma André Cravo, pesquisador do Laboratório de Cognição e Percepção do Tempo da UFABC.

Por outro lado, outros fatores que parecem estar mais relacionados com a percepção do tempo passar mais lento são o que os autores chamam de medidas psicológicas, que eram aquelas relacionadas a aspectos de bem-estar, solidão e emoções.

"São essas medidas que parecem estar mais ligadas a essa percepção do tempo passar mais devagar", completa Cravo.

A pesquisa foi feita por meio de um primeiro questionário publicado nas mídias sociais 60 dias após a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretar a pandemia de Covid-19.

"No primeiro momento de pesquisa, perguntamos como estava a percepção do tempo naquele momento e também como estava antes [considerando a declaração da OMS]", afirma outro autor do estudo, Raymundo Machado, do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein.

Nessa primeira coleta de dados, quase 3.900 pessoas responderam ao questionário. Desses, foi visto que aproximadamente 65% relataram que o tempo parecia se expandir. "A expansão temporal é a sensação que se tem de que o tempo não passa, a pessoa fica entediada e sente que tem muito tempo", explica Cravo.

Outro eixo observado foi o da pressão temporal, que se relaciona à impressão de que não há tempo para fazer tudo o que se deseja. Nesse caso, questões como estresse e pouca disponibilidade para auto cuidado tendem a aumentar a percepção de que a pressão temporal é maior.

Na pesquisa, o que os autores procuraram foi entender a redução dessa percepção de pressão em cima do tempo, algo visto em aproximadamente 75% das respostas no primeiro questionário.

Depois desses dados coletados, o estudo continuou para averiguar se essas visões iniciais se manteriam. Neste caso, semanalmente, eram enviados aos participantes da primeira fase questionários bem semelhantes ao modelo do primeiro.

"Para expansão temporal, reduziu um pouco ao comparar o primeiro momento e o último. Já para diminuição da pressão temporal, não mudou", diz Machado.

No entanto, uma vantagem de ter esses outros questionários enviados periodicamente era averiguar se os acontecimentos da semana dos participantes se relacionavam com a compreensão do tempo.

Por exemplo, em algumas semanas específicas, alguns respondentes afirmaram que se sentiam mais sozinhos e também relataram que o tempo parecia passar mais devagar. Outros já diziam que estavam mais estressados e também referiram que sentiam um aumento na pressão temporal. Dessa forma, achados como esses ratificaram o que já tinha sido observado na primeira fase da pesquisa.

Urgência e falta de controle

Explicar plenamente as razões de por que a compreensão do tempo pode mudar ainda não é possível, mas alguns estudos já traçaram algumas possibilidades. Uma delas é que quanto mais urgente você deseja que algo aconteça e quanto menos controle você tem para fazer com que isso ocorra, maior será a impressão de que o tempo passa arrastado.

Esse é o caso do exemplo do ônibus. Você tem urgência que ele apareça logo para chegar ao seu trabalho, mas não tem controle sobre isso.

Durante o período de isolamento social, essa explicação também pode ser adotada. "As pessoas que não estavam lidando bem com a pandemia, como aquelas que se sentiram muito sozinhas, possivelmente estavam querendo que a pandemia acabasse logo, mas era completamente imprevisível quando ela iria chegar ao fim", explica Cravo. Por isso, a impressão de que o tempo era mais lento pode ter sido maior neste grupo.

Por outro lado, outro padrão de indivíduos que não tiveram muitos problemas com o período pandêmico, não sentiriam tanta emergência que a situação terminasse logo. "Possivelmente para essas pessoas, o tempo não se expandiu tanto. Não era urgente que aquilo acabasse", completa o pesquisador.

Outro aspecto que explica uma alteração na relação de alguém com o tempo são doenças psiquiátricas. Alguns estudos já indicam que pessoas que sofrem com depressão tendem a ter uma impressão de que o tempo demora mais a passar.

Esse aspecto de alteração na compreensão do tempo e psicopatologias, no entanto, ainda pode avançar. Segundo Machado, faltam estudos que investiguem se uma percepção de tempo alterada pode ocasionar ou piorar a saúde mental de alguém.

"Seria interessante pegar pessoas que tenham essa sensação de [lentidão na passagem do tempo] e acompanhá-las a fim de ver se ocorreria o desenvolvimento de algum possível transtorno psiquiátrico", conclui.

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