Siga a folha

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Não é o que não pode ser que não é

Eu estava comovido por poder ficar comovido

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Eu tinha nove anos em 1986 e lembro de ouvir "Cabeça Dinossauro", dos Titãs, sentado no chão da sala, na casa da minha infância. Lia as letras curioso e assom brado: "AA UU", "Igreja", "Polícia", "Estado Violência", "A face do destruidor", "Porrada", "Tô cansado", "Bichos escrotos", "Família", "Homem primata", "Dívidas", "O que". Lembro da minha mãe me explicando o que eles queriam dizer com "polícia para quem precisa" e da pequena epifania sociológica: então a polícia não existe sempre "pra ajudar", "pra proteger"?

A MPB dos anos 60 e 70 foi tão espetacular que talvez tenha eclipsado o rock dos anos 80, inteligente sem deixar de ser empolgante ou divertido. Titãs, Paralamas, Legião, Ira!, Ultraje a Rigor, Blitz, Plebe Rude, Rita Lee, Lulu Santos, Barão Vermelho, Camisa de Vênus. A porrada sonora + crítica social de "Cabeça Dinossauro" não deixa nada a dever a um Dead Kennedys, um Talking Heads, um Living Colour ou outra banda da fina flor do rock americano da mesma década.

Esta semana os Titãs anunciaram um breve retorno com a formação inicial. Estarão todos juntos em shows por todo o país. (Menos Marcelo Fromer e Ciro Pessoa, infelizmente já falecidos). Li a notícia e fiquei comovido —mais do que eu imaginava. Aí entendi que a comoção não era só com o show dos meus ídolos de infância e adolescência. Era uma meta comoção: eu estava comovido por poder ficar comovido.

Bolsonaro está indo embora: aleluia! O Ibama vai voltar a existir. Se a PM fizer chacina em Jacarezinho, o ministro da Justiça vai se mexer. Os adultos voltarão em breve a Brasília e eu poderei tratar, aqui, do que realmente importa: tudo aquilo que é desimportante. Minhas lembranças dos nove anos. O chão da casa da infância. "Oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo".

O Alan Alda, ator de "M*A*S*H", tem um podcast de ciência sensacional chamado "Clear and Vivid". Na última semana, ele entrevistou uma cientista chamada Lindy Elkis-Tanton, da Universidade do Arizona. Lindy é a cabeça do projeto Psyche, que enviará uma nave ao cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, para estudar o maior deles, o 16 Psyche.

Segundo crê a cientista, o 16 Psyche tem uma composição semelhante à da Terra, mas após muitos choques com outros corpos celestes, teve sua crosta limada, sobrando só o núcleo. É difícil estudar o núcleo da Terra, por conta da temperatura e da pressão. Depois de 12 km cavando planeta adentro, todas as ferramentas derretem e as paredes de contenção, idem.

A nave que irá aonde Judas perdeu as botas (de astronauta) orbitará o asteroide cada vez mais perto, usando várias ferramentas para analisar sua composição. As informações chegarão à Terra em trinta minutos e serão disponibilizadas imediatamente a toda a comunidade científica. Qualquer um poderá usá-las para entender do que é feito e como funciona o caroço do nosso planeta.

O que têm a ver a "Pança de mamute!" com um asteroide de ferro e níquel na perifa de nosso sistema solar? Necas de pitibiriba. São apenas duas notícias interessantes da última semana. Duas notícias que eu pude aproveitar porque não estava preocupado com a reeleição do sacripanta, com mais quatro anos de devastação ecológica, política, institucional. Já tava ficando louco de tanto pensar. Tava ficando louco de tanto gritar. "AA, UU! AA, UU! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!".

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas