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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Minha contribuição à humanidade

Minha ideia veio, como a maioria nos chega, num momento de distração

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Talvez, por alguma lei divina ou natural, a cada ser humano corresponda uma única grande ideia. Em dado momento, no curso de nossa medíocre existência, esta ideia se pendurará no trapézio que trazemos no cérebro, como diria Machado, "se porá a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim", até que, súbito, ela dará um grande salto, estenderá seus braços e pernas, tomará a forma de um X e dirá: decifra-me ou devoro-te.

Claro que há gênios como Leonardo da Vinci, que projetou helicópteros, paraquedas, tanques de guerra e um zilhão de outros artefatos, Einstein, tão inteligente que bolou a teoria da relatividade e, não satisfeito, foi ganhar o Nobel com uma segunda descoberta, Thomas Edison, cuja lista de patentes é tão comprida quanto a ficha corrida dos crimes da família Bozonauro, sem falar na filha pródiga da cidade de Batatais, SP, Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich, que além de cirurgiã dentista é a mãe (e o pai) do escorredor de arroz. (É sério, deem um Google). Mas nós, os simples mortais, temos de estar sempre atentos para perceber quando a grande ideia, filha única e de mãe solteira, bater à nossa porta, sob o risco de que ela passe batido e desperdicemos o resto dos nossos dias no lodaçal do arrependimento.

Pois bem: é com grande alegria que venho aqui compartilhar com vocês a minha contribuição à humanidade. Poderia dizer, com falsa modéstia, que minha invenção está mais pra Therezinha Beatriz do que pra Albert Einstein. Está mesmo e se me refiro à falsa modéstia é por ter a batataense muito mais em conta do que o alemão. Afinal: quantas vezes você já se viu numa situação em que precisou usar a fórmula E = MC²? Agora me diga, quantas vezes você teve que lavar arroz?

Minha ideia veio, como a maioria nos chega, num momento de distração. Eu estava lavando a louça. E, como sempre acontece quando lavo a louça, pensava: que saco é lavar louça. Foi então que recebi dos céus (ou das catacumbas do meu subconsciente) minha monoepifania. Entendi, naquele instante —estava enxaguando uma colher de chá: façam constar em minhas biografias)—, que o maior problema de lavar a louça é o fazermos de pé. E por que lavamos louça de pé? Porque ainda não haviam inventado a cadeira de lavar louça.

Não se trata, é preciso explicar, apenas de uma cadeira, mas de um conjunto cadeira-pia. Pois se puséssemos uma cadeira ou banqueta diante da pia, teríamos que nos inclinar pra frente e seria igualmente desconfortável. Meu modelo lembra o de uma escrivaninha. Há um espaço embaixo da cuba onde se pode espichar as pernas. A cadeira será giratória, é claro, porque lavar louça é uma atividade que requer bastante movimentação horizontal. Pegar o detergente na direita, colocar os pratos no escorredor, à esquerda, secar a mão no pano de prato pendurado no fogão, na extrema esquerda, pegar o rodinho apoiado na parede, na extrema direita. A cadeira terá um apoio para a lombar e dois para os braços. Será revestida de material impermeável, é claro, e terá rodinhas. Assim, a pessoa poderá guardar os pratos no armário sem ter de se levantar, deslizando pela cozinha com um único impulso dado pelas pernas na parede embaixo da pia.

Não precisam agradecer. Podem mandar construir o conjunto cadeira-pia e vender por aí. Não quero lucrar com minha invenção. As 10 milhões de coroas suecas a serem dadas pela Fundação Nobel já estarão de bom tamanho.

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