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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

A maior onda do mundo

O que me cativa na série documental 'A Onda de 100 Pés', primeiro, é o esforço de cada um em prol do bem comum

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Tá na série documental "A Onda de 100 Pés", do Max —ex HBO MAX, ex HBO (alô, MAX, X e big techs em geral, nem o Snoop Dogg trocou tanto de nome: parem).

Lá por 2010, aos 35, o surfista Garrett McNamara estava aposentado, cuidando de uma lojinha de souvenires no Havaí. Já tinha ganhado uma penca de troféus, saído em capas de revistas, mas com três filhos pequenos trocou ondas gigantes por badulaques em miniatura. Não tardou pra deprimir-se, achando que o melhor da vida tinha passado e que agora os únicos tubos que pegaria eram de Hipoglós.

Eis então que do outro lado do mundo, literalmente, começam a chegar emails. Vinham de Dino Casemiro, jovem vereador de uma vilinha litorânea em Portugal, Nazaré. No verão, Nazaré enchia de turistas, mas no inverno eles eram afastados pelo frio e por ondas de trinta metros, que por séculos tinham sido o terror de pescadores, muitos dos quais morriam na lida —tipo um Caymmi hardcore.

Dino, contudo, olhando as ondas, pensava: "será que não dá pra surfar?". Nicole, mulher de Garrett e também surfista, leu os emails e falou, pombas, por que não darmos uma olhada?

Adams Carvalho

Deram —e não era bolinho. A água corria por uma vala submarina três vezes maior do que o Grand Canyon, chocava-se contra uma parede de 5 km e jorrava com uma força monstruosa, criando as maiores ondas já vistas.

Garrett e Nicole passaram um ano estudando a encrenca. Foram ao Instituto Hidrográfico de Portugal, chamaram oceanógrafos, mergulharam e mapearam o fundo do mar, entenderam os ventos, as correntes, a temperatura, um trabalho obstinado, desses de Amyr Klink antes de se meter em alguma encrenca polar.

Criaram com a municipalidade o "North Canyon Project": "Não tinha dinheiro, não tinha patrocínio, não tinha nada. Só o apoio total da câmara municipal", diz Garrett, logo antes de o vermos comendo na tasca "A Celeste" e compreendermos que boa parte do "apoio total" era a permuta no restaurante daquela típica senhorinha portuguesa, que nutriu a equipe com sardinhas e alheiras durante um ano.

Depois de 12 meses de estudos, após criarem um método especial para aquela onda específica, tendo Garrett treinado e preparado rebocadores e resgates de jet-ski, o cara entra no mar e, conforme o planejado, surfa a maior onda da história. Trinta metros, equivalente a um prédio de oito andares. Hoje Nazaré é um dos maiores destinos mundiais do surfe.

Eu não surfo, não sou fã de esportes radicais e acho que "superar os próprios limites" é menos uma ousadia do que uma exigência patológica do nosso tempo, a mesma que faz trabalhadores japoneses ou gamers adolescentes morrerem de estafa, mas vejo e revejo há meses o documentário.

O que me cativa, primeiro, é o esforço de cada um em prol do bem comum. O vereador, a dona Celeste e a câmara municipal de uma cidadezinha apostando no projeto, nenhum deles levando nada por fora, nenhum interesse escuso. Acho difícil visualizar na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), em Ubatuba, em São Sebastião.

Depois é a obstinação do Garrett McNamara para surfar a maior onda do mundo. Por "obstinação" eu entendo a paixão somada ao trabalho. Um ano de estudo de um cara que já tinha surfado tudo e teve a sábia humildade de se preparar como um novato —o que de fato era, ali (no Brasil, muitas vezes, usa-se o talento para mascarar a falta de esforço —com resultados que sabemos quais são).

Por fim, talvez, me comova só essa admiração infantil e ancestral pelo mar. A onda colossal não deixa de evocar antigos monstros marinhos: lulas gigantes, dragões, sereias. Como escreveu certo português, que não sei se terá ou não conhecido a onda de Nazaré: "Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/mas nele é que espelhou o céu".

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