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É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

Quanto vale meu histórico de atleta?

Em tese, a prática cotidiana de exercícios físicos poderia fortalecer o sistema imune

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É com imenso prazer que inicio esta coluna, que terá como objetivo revelar ao leitor como nosso estilo de vida interfere profundamente na saúde e no bem-estar.

Dietas, treinamentos da moda e intervenções miraculosas estão por toda parte. O que escasseiam são as evidências que os sustentam. Separar o joio do trigo, com a lupa da ciência, será a missão. É justamente o que me entretém há cerca de uma década na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), onde atuo como docente.

Os benefícios da atividade física são tão amplamente reconhecidos que até mesmo Jair Bolsonaro, pouco afeito às evidências, parece, efusivamente, concordar: “[...] pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”. Vamos do trigo ao joio.

Atletas amadores, em geral, apresentam ótimas funções cardíaca, vascular, cognitiva, pulmonar, muscular e imunológica. Por isso, costumam ser menos acometidos por doenças como diabetes do tipo 2, hipertensão, Alzheimer e alguns tipos de câncer.

Mulheres com máscara fazer exercício em parque de Bogotá, na Colômbia - Juan Barreto/AFP

Alguns estudos apontam alta incidência de gripes e resfriados em atletas de elite. Entretanto, o maior número de infecções parece ser menos explicado pela prática exercício per se do que pela rotina potencialmente “imunossupressora” do atleta de ponta, que geralmente envolve viagens longas, estresse psicológico, sono insuficiente, dieta desbalanceada e eventos esportivos com grande circulação de público e competidores, o que aumenta a exposição a agentes infecciosos.

Em tese, a prática cotidiana de exercícios à qual se sujeita o esportista poderia fortalecer seu sistema imune, de modo a transformar infecções potencialmente mais graves em meras “gripezinhas”.

O problema surge quando o “histórico de atleta” remonta a um passado distante, que sobrevive apenas no desbotado retrato de atleta amador dos tempos áureos da caserna.

O que vem de bom com o exercício, esvai-se sem ele. Esse é um conhecido princípio do treinamento físico, chamado de reversibilidade.

O escudo do exercício contra quadros patológicos esmorece à medida em que a prática se cessa. É bem verdade que, em alguns casos, os efeitos do exercício perduram anos a fio, mesmo após sua interrupção.

Ginastas, por exemplo, acumulam um bom estoque de osso durante o início da fase adulta e usufruem dessa poupança na velhice, protegendo-se da progressiva perda de massa óssea conhecida como osteoporose.

Nem tudo são flores, contudo. Quando cientistas impõem uma drástica redução do número de passos a pessoas ativas —um modelo experimental que permite testar a reversibilidade das adaptações à atividade física—, há perdas consideráveis de capacidade física e massa muscular, aumento de gordura corporal e piora na função dos vasos. E essa derrocada fisiológica ocorre em períodos curtíssimos.

Poucas horas sentado ao sofá já são suficientes para aumentar os níveis de glicose circulante, um indicativo de piora da saúde metabólica. O treinamento traz, o destreinamento tira.

Podemos especular que o atleta em atividade tenha menor propensão a um quadro grave de Covid-19 —a verificar. Em contrapartida, fiar-se no histórico de atleta, particularmente se substituído por um presente de sedentarismo, parece arriscado, no mínimo.

Já sob a ótica da saúde coletiva, num país em que uma em cada duas pessoas sequer atinge um nível mínimo de atividade física para a manutenção da saúde, apostar no porte atlético da população no combate à pandemia não passa de quimera.

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