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Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

Primeiro ano de Bolsonaro foi triplo O, de um governo opaco, omisso e oculto

Um ano atrás, perguntávamos se a 'nova era' trazia risco à democracia; um ano depois, essa pergunta perdeu sentido

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Teorias conspiratórias, teorias estapafúrdias e notícias falsas são os produtos que Jair Bolsonaro tem para vender no mercado político.

Não há assessor que o civilize ou modernize, pois ele se cerca de iguais. E dos filhos.

Foi assim nos seus 30 anos de carreira parlamentar; foi assim, com mais potência e coordenação, na sua campanha. Como presidente, não se pode esperar outra coisa: seu primeiro ano de governo confirmou o que prometia.

Tantas as inusitadas fantasias que algumas caem no esquecimento. Gosto daquela que denunciava o “Triplo A” como ameaça à soberania nacional. Tudo porque um antropólogo colombiano, certo dia, sugeriu que o corredor ecológico formado por Andes, Amazônia e Atlântico tivesse gestão cooperativa pelos países respectivos. Para o bem do fluxo da biodiversidade entre os três ecossistemas, propunha.

Com base nisso, Bolsonaro defendeu sair do Acordo de Paris e cancelou a COP-25 no Brasil, o maior encontro internacional sobre política climática. As fantasias podem trazer dividendos políticos, mas também cobram seu preço. Um desses preços é a ironia.

Uma síntese possível desse primeiro ano se encerra na fórmula do Governo Triplo O: opaco, omisso, oculto.

Opaco em razão das restrições à transparência, à livre informação e ao conhecimento. A cultura do sigilo e do apagamento se instalou em diversos ministérios (sigilo sobre gastos de viagens, cartão corporativo, contratos governamentais, agendas oficiais, gastos com publicidade da reforma da Previdência, dados sobre enxugamento do Bolsa Família etc). 

Um governo que esconde e disfarça, mas grita para desviar a atenção.

Omisso diante de problemas que requerem ação governamental competente, oportuna e não sectária. O governo investiu na redução da capacidade estatal e na deterioração de políticas públicas. O fogo na Amazônia e o óleo na costa, crises que não terminam, foram os exemplos mais visíveis. 

As 37 denúncias por violação de direitos humanos na ONU, o desmonte do combate à tortura ou a paralisia do Ministério da Educação dão outras pistas.

Oculto pelas ações paraestatais que o governo incentiva e legitima: na esfera pública, com a promessa e efetivação do perdão a milícias urbanas e rurais que instituem o “governo com as próprias mãos”, e na esfera privada, com o incremento das microagressões e de crimes de ódio.

Dos grileiros que desmatam floresta e assassinam indígenas à patrulha ideológica contra professores; da indústria de disseminação de informações falsas à do assédio de reputações e de ameaças de morte; do terrorismo cristão que tradicionalmente ataca religiões de matriz africana ao terrorismo cristão que mira em humoristas: o bolsonarista da esquina é agente de um governo terceirizado. Não é temente à lei, mas diz ser temente a Deus.

Poderíamos imaginar outros O’s para aperfeiçoar a radiografia: ocioso (que tem preguiça da ginástica da articulação política no Congresso, vítima da soberba que Fernando Limongi chamou de “presidencialismo do desleixo”); obtuso (que publica juízo estético sobre esposa de presidente francês, que não perde a piada do “cearense cabeçudo” ou o “paraíba”); onanista (metáfora autoexplicativa).

O Triplo A é uma paranoia fabricada para distrair. O Triplo O é o tipo de governo que fabrica a paranoia.
Um ano atrás, perguntávamos se a “nova era” trazia risco à democracia. Um ano depois, essa pergunta perdeu sentido. 

O processo está em curso e tem nos restado perguntar onde está a linha vermelha, se o ponto de não retorno está longe ou perto.

Analistas têm concordado que a boa notícia de 2019 é que as instituições “têm resistido”. Tecem elogios ao Congresso e à ascendência de um primeiro-ministro extraoficial nesse “parlamentarismo branco”. 

Alguns céticos ainda perguntam se as instituições resistirão por mais três anos. Ou por mais sete. A avaliação otimista corre o risco de perder de vista o que não foi resistido e a magnitude das derrotas. Parece subestimar, acima de tudo, o jogo da autocratização lenta, gradual e segura.

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