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Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Matemática do analfabetismo

Educação pública, desprezada na pandemia, não ocupa muito tempo de candidatos presidenciais

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A sorte foi lançada em julho de 2020, quando um matemático decretou que "as aulas absolutamente não podem voltar em setembro" –e seu modelo apocalíptico alcançou as manchetes da imprensa profissional. A santa aliança política contra a reabertura escolar triunfou, deixando-nos a herança de uma geração de analfabetos. A prova encontra-se nos resultados do Saeb, que revelam apenas a ponta emersa da tragédia, como explica Maria Helena Castro.

A Unesco mantém registro detalhado sobre os fechamentos de escolas. As escolas brasileiras permaneceram total ou parcialmente fechadas por quase dois anos. É um triste recorde, compartilhado por raros países. Na Grécia e na Itália, as escolas fecharam por menos de um ano, um padrão para a Europa. Nos EUA, as escolas jamais fecharam totalmente. A alegação relativa ao impacto da pandemia não se sustenta. Temos, desde o início de 2020, 3.180 óbitos/milhão hab. Na Grécia, são 3.280; na Itália, 2.930; e nos EUA, 3.225.

A alegação relativa aos níveis de renda não resiste à análise. Na África do Sul, o fechamento total não ultrapassou um trimestre e o parcial, outros três: o país reabriu escolas a cada intervalo entre ondas da Covid-19. A África, de modo geral, manteve aulas presenciais por todo o ano de 2021.

Escola em São Paulo fechada na pandemia - Rubens Cavallari-11.set.20/Folhapress

Escolas fechadas por períodos insanamente prolongados caracterizaram apenas a América Latina, região que se destaca pelo desprezo dos governos em relação à educação. Mesmo na região, porém, o Brasil figura entre os piores exemplos, atrás do Chile, da Colômbia e até da Argentina, países que também enfrentaram ondas devastadoras de mortes.

Vitória (ES), reabriu antes, em março de 2021, graças à coragem de uma secretária municipal, que teve o amparo do Todos pela Educação. No dia do retorno, aguardava-a na secretaria um simbólico caixão de criança, cortesia de sindicatos de professores. A política, não o vírus, explica a catástrofe evidenciada pelo Saeb.

No Brasil, faltam consensos nacionais. A pandemia trouxe, porém, um consenso pelo fechamento das escolas. A santa aliança contra a educação pública estendeu-se da extrema esquerda à extrema direita, abrangendo governadores e prefeitos dos mais diversos partidos. Nela ingressou também Bolsonaro, que clamava cinicamente pela reabertura escolar enquanto recusava-se a mover sua caneta para determinar a retomada das aulas presenciais nas escolas técnicas federais.

Ciência? Diversos artigos científicos divulgados pela OMS e pela Unesco comprovaram que só se justificavam fechamentos de escolas durante períodos de rígidos lockdowns. Além disso, as reaberturas escolares em países ricos ou pobres logo revelaram-se seguras. Por aqui, contudo, os "especialistas" só aderem à ciência quando ela confirma suas inclinações políticas. Disso, floresceu uma "ciência alternativa", alinhada ao sindicalismo docente, engajada em amontoar cadáveres virtuais no palco iluminado dos meios de comunicação.

A falência de nossa educação pública não ocupa muito tempo dos candidatos presidenciais. (A exceção, ao menos nesse aspecto, é Ciro Gomes, que apresenta propostas inspiradas nas iniciativas de sucesso do Ceará). O choque do Saeb passará rápido, dando lugar aos manifestos militantes por cotas raciais eternas no ensino superior. Adoramos fantasias.

O matemático-profeta das mortes em massa logo retroagiu de seu modelo estatístico, substituindo-o por um alerta embebido na pureza mais celestial: "a morte de uma única criança não vale a reabertura escolar". O argumento funcionaria como razão para fechar definitivamente as escolas, com ou sem coronavírus. O problema é que o Brasil operou sob esse paradigma obscurantista por tempo demais, indiferente aos direitos de uma geração de crianças.

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