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É atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).

Shopping em casa

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— Que bonita esta saia!

— Pois é, estava perdida — ela me respondeu.

— Você perdeu uma saia?

— Sim, dentro do meu armário. Arrumando as coisas pra mudança, eu achei.

Esta conversinha banal com minha amiga aumentou a minha angústia. Será que preciso de uma mudança pra conseguir achar o que anda perdido diante dos meus olhos? Muitas vezes, tenho a sensação de não ter o que vestir diante do meu guarda-roupa lotado e fico doida cobiçando um novo vestido na vitrine do shopping. No outro dia, comprei uma blusa que tinha amado e, quando fui pendurá-la no armário, vi que sua vizinha de cabide era sua prima. O curioso é que, se fosse a blusa antiga que estivesse na loja, eu a compraria de novo. Mais curioso: ela estava lá, eu sabia que tinha e pouco a usava. A blusa nova me devolvera a velha, que passei a usar com prazer. Mas por que comprei uma nova se havia uma quase igual pendurada? Que fenômeno é esse de precisar do que já se tem? Que cegueira é esta para o que está ao seu lado? Será a galinha do vizinho sempre mais gorda? Adquirir é melhor do que ter?

Crédito: Ilustração Zé Vicente

Não sou exatamente consumista, mas olho a minha casa e, apesar de morrer de amores por meus objetos, sinto que há uma infinidade de coisas que eu realmente poderia viver sem. O curioso é que, se descuidar, se me forem oferecidas, estou arriscada a comprá-las de novo.

É realmente muito violento o impulso consumista a que fomos doutrinados. Nem precisamos ir ao shopping. Vivemos em uma feira constante. Meu e-mail está lotado de propostas de vendas que nem desconfio como chegaram ali. A internet virou, como previsto, um mar de publicidade que, a um clique, desfalca nossa conta bancária. Tudo pela estrela maior: o dinheiro, o circular da moeda. Cada vez mais produtos, cada vez mais necessidades desnecessárias. Não entendo nada de economia, mas gostaria de viver num mundo com menos coisas. Gostaria de morar numa casa com menos coisas, ter um armário com menos roupas.

Resolvi fazer um exercício: promover as vitrines a uma exposição de arte. A arte de um artista poderoso e midiático que se chama Mercado e de quem estou longe de poder adquirir uma obra. Mesmo sem ter que mudar de apartamento, vou tirar as coisas de meu armário, colocar sobre a cama para comprar com meu novo olhar os meus velhos vestidos. Liberdade é viver com pouco.

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