Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Descrição de chapéu Twitter sustentabilidade

Mr. Musk, as suas empresas não são sustentáveis

Sob a superfície da inovação tecnológica, residem práticas empresariais e de governança questionáveis

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Elon Musk não gosta do 1º de maio. É contra a existência de sindicatos. Tem problemas com leis trabalhistas. Na Suécia, a Tesla enfrenta, desde outubro de 2023, uma greve dos funcionários das oficinas de manutenção porque se recusa a aceitar que eles possam ter direitos de negociação coletiva que cubram salários e condições de trabalho. Aquilo que para os europeus é uma pretensão trivial, assente em centenas de anos de direitos, para Musk é uma excentricidade. Investidores institucionais nórdicos, como o PensionDanmark, já desinvestiram da Tesla porque a empresa não preenche requisitos mínimos de comportamento corporativo moderno.

Elon Musk chega para evento no museu de cinema em Los Angeles, nos Estados Unidos
Elon Musk chega para evento no museu de cinema em Los Angeles, nos Estados Unidos - Etienne Laurent-28.abr.24/AFP

Todas as empresas de Elon Musk têm índices baixos de sustentabilidade corporativa, uma abordagem de negócios que visa criar valor de longo prazo para as partes interessadas por meio do alinhamento do mandato econômico de uma empresa com práticas de sustentabilidade.

Agências de rating ESG como a Sustainalytics, MSCI e S&P, avaliam a Tesla com notas inferiores à maioria dos seus competidores na indústria de automóvel, incluindo os que fabricam carros alimentados a combustíveis fósseis. A MSCI alerta que a empresa está envolvida em controvérsias de nível moderado a severo em áreas como direitos trabalhistas e cadeia de suprimentos, governança corporativa (suborno e fraude) e direitos humanos e comunidade. A Tesla não tem uma meta de descarbonização.

Em 2023, em um evento do New York Times, Musk baixou o queixo, concedeu-se um momento de introspecção e disse humildemente: "como CEO da Tesla, fiz mais pelo meio ambiente do que qualquer ser humano na Terra". Como uma empresa que fabrica carros elétricos pode ser menos sustentável do que uma empresa dependente de petróleo, contrariando as afirmações de Musk? A resposta reside na complexa natureza da sustentabilidade corporativa, que engloba não apenas o impacto ambiental dos produtos finais, mas também a forma como são manufaturados.

Embora os carros elétricos representem um passo positivo na direção da descarbonização do transporte, a Tesla depende da exploração de minérios como níquel, cobre e lítio, cuja extração e processamento podem gerar impactos socioambientais negativos, como a poluição da água, a degradação do solo e a violação de direitos humanos. Além disso, os índices de governança interna da Tesla são amplamente criticados por especialistas e funcionários, com acusações de assédio sexual, longas jornadas de trabalho sem remuneração adequada e medidas antissindicais.

Elon Musk também é CEO da SpaceX, empresa que fabrica sistemas aeroespaciais e oferece serviços de transporte espacial. Em contraste com a Nasa, que possui um histórico exemplar de integração de modelagem e de medidas de proteção ambiental em suas avaliações de lançamento de foguetões, a SpaceX frequentemente ignora o impacto ambiental de suas atividades.

Em 2023, cinco organizações ambientalistas nos Estados Unidos entraram com um processo contra a Administração Federal de Aviação (FAA) por sua alegada falha em revisar adequadamente os protocolos ambientais da SpaceX. As ONGs argumentam que a FAA não exigiu à SpaceX estudos de impacto ambiental relativos aos lançamentos e às potenciais explosões de foguetões. Em contraste, a NASA adota uma abordagem mais transparente e colaborativa, convidando agências governamentais e não governamentais para avaliarem, contribuírem e monitorarem o impacto ambiental das suas atividades espaciais.

A taxa de acidentes no trabalho da SpaceX é sete vezes maior do que a média da indústria, segundo uma investigação recente da Reuters.

Elon Musk também lidera a Boring Company, uma empresa de infraestrutura que nasceu com o propósito de construir túneis de forma mais rápida e barata que os seus concorrentes. Um sonho para qualquer prefeito. Mas a empresa está atualmente na UTI porque a baratização foi feita à custa da segurança, negligenciando elementos essenciais como corredores de saída de emergência, sistemas de ventilação e sistemas de supressão de incêndio. Em 2023, a empresa foi multada pela Comissão de Qualidade Ambiental do Texas por sete violações de leis ambientais.

E o que dizer da rede social X, privatizada e comprada por Musk em 2022? A empresa mergulhou em um turbilhão de má gestão e controvérsias, marcadas por decisões precipitadas. Em 3 de novembro de 2022, Musk demitiu abruptamente 3.700 funcionários, quase metade da força de trabalho, sem aviso prévio. A demissão em massa gerou uma ação coletiva contra a empresa. Apenas uma semana depois, o então Twitter entrou em contato com alguns dos ex-funcionários demitidos, pedindo que retornassem, pois as suas dispensas foram feitas "por engano".

O potencial de outras empresas de Elon Musk, como a Neuralink, uma startup que está desenvolvendo um interface cérebro-computador, e a xAI, que atua na área de inteligência artificial, para gerarem mudanças sociais em escala global é inegável. No entanto, os propósitos não justificam os meios. Ao se permitir utilizar métodos pouco éticos em nome de um bem maior, Musk corre o risco de corromper o próprio objetivo primário. A Neuralink está sob investigação federal por possíveis violações do bem-estar animal. Os próprios funcionários reclamaram que os seus testes em animais estão a ser apressados, causando sofrimento e mortes desnecessários.

Para muitos bilionários, a criação de uma fundação filantrópica é vista como uma forma de redimirem os seus pecados. Mas o histórico de doações da Fundação Musk criada em 2001 é, de acordo com uma análise do New York Times, "aleatório e em grande parte egoísta". A organização sem fins lucrativos não tem funcionários em tempo integral, apenas um conselho que inclui Musk e dois voluntários, e "não conseguiu nos últimos anos doar o mínimo exigido por lei" para justificar seus incentivos fiscais.

Musk é o homem mais rico do mundo. É possivelmente um dos mais geniais. O seu pioneirismo em áreas de risco é inegável. No entanto, os seus posicionamentos e práticas poderão levá-lo a acabar como Jay Gould (1836-1892), um dos homens mais ricos do final do século 19 e o visionário que transformou a infraestrutura ferroviária americana.

A biografia de Gould registra sobretudo as suas ações comerciais agressivas e muitas vezes inescrupulosas. Não os seus feitos.

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