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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Viola Davis mostra que interpretar uma general não foi mera coincidência

Trabalho, estratégia e luta de pessoas negras foram necessários para o filme

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Viola Davis fez história. A protagonista do longa "A Mulher Rei", em cartaz nos cinemas em todo país a partir desta semana, fez uma passagem breve e impactante pelo Rio de Janeiro. Foi um cometa que atravessou o céu carioca e deixou marcas históricas no posicionamento do Brasil como um dos mercados de audiovisual mais relevantes do mundo.

Com seu marido e produtor do filme, Julius Tennon, a atriz passou por dias intensos em que visitou o Cais do Valongo, lugar onde desembarcaram milhões de escravizados e escravizadas africanas, muitos deles da região da Nigéria e do Benim, onde se passa a trama do filme. O Valongo foi o porto de maior movimento do tráfico negreiro nas Américas e é uma vergonha para este país que não haja um museu da escravização.

Esteve na Cidade do Samba, dançou e beijou a bandeira da Mangueira, passando a fazer parte da nação verde e rosa mais querida do mundo. Em suas redes sociais, Davis já divulgava há algum tempo o trabalho das passistas, mas nesta visita foi muito além, conhecendo pessoas que fazem do samba uma identidade do país.

Atendeu de Fantástico a mídias negras, como o importante canal negro Trace Brasil, entre outras emissoras e sites brasileiros. Disse como entendia o papel fundamental do país no combate ao racismo e como que ela, mulher negra retinta (traduzida pela imprensa brasileira de forma equivocada como "mulher negra de pele preta escura") sentia o racismo e o sexismo de uma forma diferente.

Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Bispo

Na noite de pré-estreia, no Copacabana Palace, Davis reuniu a comunidade negra brasileira para prestigiar seu novo filme e visitar o reino de Daomé, tão significativo para as religiões de matriz africana.

Considerando se tratar de um longa de Hollywood, um campo complexo para representações históricas, a obra dirigida pela cineasta Gina Prince-Bythewood constrói em diversas passagens signos de vitória de pessoas negras, quebrando as paredes das prisões mentais que a representação negativa de um povo ajudou a fortificar.

No filme, Nanisca, personagem interpretada por Davis, é a general do Exército ahosi, composto apenas por mulheres que defendem o reino de Daomé, que vive uma crise política histórica com o reino de Oyó, mais numeroso e bem equipado. A crise culmina em uma guerra que tem como pano de fundo a resistência à entrega de pessoas escravizadas para Portugal fazer o tráfico negreiro.

Frente à batalha iminente, Nanisca e suas escudeiras Amenza e Izogie treinam uma turma de calouras do Exército. Entre elas, está Nawi, vivida pela atriz sul-africana Thuso Mbedu, sobre quem escrevi nesta Folha quando comentei a excepcional "The Underground Railroad", série de televisão que protagoniza.

Nanisca e Nawi constroem uma relação especial, que nos faz refletir sobre os impactos da opressão de gênero nas sociedades africanas, inclusive.

Em suma, um elenco fenomenal, uma produção faraônica e um roteiro que apresenta outras formas de representação de signos negros. Receita para uma excelente obra cinematográfica.

Por isso apenas, já seria uma obra necessária no cenário brasileiro tão pobre como o atual. Um cenário que está romanceando os tempos do imperador, em vez de ser vanguarda. Uma indústria audiovisual que olha e caminha para abraçar o passado colonial.

É triste que essa corrente no audiovisual ocorra justamente em um país culturalmente rico e de tradições de matriz africana poderosas. É a constatação da miséria da indústria de massa nacional.

Com o filme, há uma lufada de ventos africanos que relembram um povo de autoestima aviltada que a negritude descende de realeza.

Há resistência e muitas pessoas fazendo frente a esse cenário. Muito trabalho, estratégia e luta de pessoas negras foram necessários para que a passagem desse cometa fosse da forma que foi. Duas delas organizaram um jantar de Davis com representantes negros e negras de segmentos culturais do Brasil.

Taís Araújo e Lázaro Ramos, showrunners na linguagem do segmento, pois atuam, produzem, empresariam, ou seja, são múltiplos, abriram as portas de sua casa para que uma atriz negra de Hollywood pela primeira vez na história do país se encontrasse com pessoas negras no Brasil.

Foi um marco na relação com os Estados Unidos que inspirará divulgações de pré-estreia. O Brasil é um mercado imenso que não pode mais ser ignorado. Davis, por sua vez, sendo a primeira a abrir caminhos, mostra que interpretar uma general ahosi não foi mera coincidência.

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