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Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

Não há libido que sobreviva ao contato íntimo com alguém de cheiro repulsivo

Estudos em camundongos mostram ação do olfato na escolha de parceiros

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Anos atrás, li um artigo científico sobre atração sexual. Os autores descreviam um experimento conduzido em camundongos para identificar possíveis fatores biológicos que explicassem a preferência da fêmea por um determinado macho e vice-versa.


Analisaram diversas características físicas, como a anatomia dos genitais, e dosaram as concentrações sanguíneas de testosterona, estrogênio e progesterona, entre outros parâmetros bioquímicos, sem conseguir encontrar correlação.

O caminho foi encontrado quando compararam os antígenos de histocompatibilidade de cada casal. Esses antígenos são as moléculas responsáveis pela individualidade dos nossos tecidos; graças a eles, rejeitamos órgãos incompatíveis quando nos são transplantados. A análise estatística demonstrou que entre os parceiros sexuais havia disparidade genética mais acentuada.

Faz sentido evolutivo: na seleção natural, quanto maiores as diferenças genéticas do casal, maior a probabilidade de sobrevivência dos filhos. Pais geneticamente próximos correm risco alto de transmitir genes deletérios para a prole.

Você perguntará: como a fêmea e o macho reconhecem a compatibilidade um do outro? Eles não a reconhecem. O instinto da atração sexual transmitido de uma geração para a seguinte se encarrega de fazê-lo, silenciosamente.

Mas quais os sentidos envolvidos nesse comportamento: visão, tato ou olfato? A suspeita recaiu sobre o olfato, sentido dezenas de vezes mais acurado nos ratos do que nos cães.

Esse capricho da natureza permaneceu restrito aos roedores até que, no final dos anos 1990, foi publicado um estudo realizado com estudantes universitários em que os rapazes corriam numa esteira até as camisetas ficarem molhadas. Terminada a corrida, cada camiseta era guardada num saco plástico com código de barras para a identificação. Todos eram proibidos de fumar e de usar perfumes e desodorantes ou frequentar ambientes públicos fechados nas 72 horas que precederam o experimento.

Num segundo tempo, as alunas foram convidadas a cheirar uma por uma as camisetas suadas para escolher o odor do homem que mais as agradavam. Elas não frequentavam o mesmo campus nem conheciam qualquer um dos rapazes. O resultado foi parecido com o dos camundongos: a preferência recaiu sobre o homem com histocompatibilidade mais distante.

Quando a mesma experiência foi repetida com mulheres grávidas, aconteceu o contrário: a maioria escolheu o odor do homem com histocompatibilidade mais próxima.

Conclusão: na hora de escolher o parceiro sexual, as mulheres selecionariam os homens com maior disparidade genética. Depois de engravidar, seriam atraídas por aqueles com genes mais próximos, portanto com maior chance de protegê-las, como é o caso do pai ou dos irmãos. O interesse feminino maior sempre é o da sobrevivência dos filhos.

Estudos realizados entre casais do grupo religioso amish —que se estabeleceu nos Estados Unidos no século 18 e é conhecido pelos casamentos intracomunitários— chegaram a resultados semelhantes.

Na semana passada, a revista Science publicou uma pesquisa conduzida na Universidade de Dresden mostrando que a gravidez nos camundongos provoca a formação de ondas de novos neurônios (neurogênese) no bulbo olfatório —centro cerebral para onde convergem os estímulos olfativos.

Ora, neurogênese em adultos é um processo muito limitado e restrito ao hipocampo, área envolvida no processamento da memória e do aprendizado. A proliferação de neurônios no bulbo olfatório na gestação deixará o olfato materno preparado para reconhecer a prole com mais acurácia.

Em seres humanos talvez ocorram fenômenos semelhantes. Muitas gestantes relatam que o olfato ficou mais sensível. O cheiro do bebê tem papel importante na criação de laços afetivos entre mãe e filho.

As implicações do olfato nas emoções começam a ser desvendadas à luz das interações entre neurônios. Elas são mais relevantes do que imaginávamos. Minha avó dizia: "Quem ama o feio, bonito lhe parece". De fato, a atração sexual pode romper a barreira da aparência física, da falta de afinidade intelectual, religiosa, racial e comportamental, mas não há libido capaz de sobreviver ao contato íntimo com alguém de cheiro repulsivo.

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