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Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

Descrição de chapéu

Não troco por nada o cheiro de orvalho e do cocô que não limpei

Horta precisa de adubo e cachorro gosta de rolar no adubo, ou seja, não é possível coexistirem

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Acordo. Abro a porta para os cachorros. Passo um café. Pego o jornal. Saio de casa e me sento na primeira faixa de sol que aparece no chão. Nunca fui uma pessoa de ter rituais. Mas passei a ter quando ganhei um quintal.

A maior parte da vida morei em um apartamento pequeno. Meus pais, quatro filhas, um cachorro e um jabuti éramos a prova de que muitos corpos poderiam ocupar um mesmo espaço. Disputávamos uma única sacadinha para pegar um pouco de sol.

Publicada nesta quinta-feira, 27 de maio de 2021 - Galvão Bertazzi/Folhapress

Quarenta e dois anos e muitos apartamentos depois, encontrei uma placa “aluga-se” na zona oeste de São Paulo.

A fachada simples escondia um segredo. Quando entrei, me senti em uma versão predial de Dorothy de “O Mágico de Oz” quando, depois do ciclone, colocou o pé para fora. Era um gramado cheio de plantas, uma árvore frutífera e um pergolado com tumbérgias. Na hora, eu sabia, aquele quintal seria meu.

Me mudei em poucas semanas e espalhei espreguiçadeiras. Construí uma horta com tomates, batatas e alface.

Adotei dois cachorros. Convoquei amigos para um almoço inaugural no meu jardim.

Me senti a própria Brigitte Bardot falando “meu jardim”. Mal sabia que a beleza de um quintal é proporcional ao trabalho que dá.

Para começar, horta e cachorro são duas coisas que não coexistem. Horta precisa de adubo. Cachorro gosta de rolar no adubo. Foi uma ideia de merda.

Amigos e quintal combinam. Até demais. A ponto de eles dançarem na grama até fazer buraco. Pisarem em cada cocô de cachorro e espalhar pela casa. Continuarem madrugada adentro e eu ter que sair do meu próprio evento à francesa.

Quando essa ex-criança predial que vos fala decidiu ter seu quintal, não imaginava que, se não cuidasse, ele seria engolido pela natureza.

Grama cresce como unha, trepadeiras são agressivas, cachorros fazem cocô e comem bebês lagartixa —o que acaba com o dia—, taturanas são kamikazes e gostam de pular na cabeça de desprevenidos.

Mas aquela luz da manhã só no cantinho. Eu sentada com os cachorros e meu café.

O cheiro de orvalho na grama —e de cocô que eu não limpei— não troco por nada.

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