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Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

Descrição de chapéu oriente médio

Árabes, israelenses e a 'paz quente'

Acordos de paz assinados em 2020 criam dinâmica intensa e inédita de intercâmbios entre as duas sociedades

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Após um jantar comunitário, em dezembro, a família israelense caminhava de volta ao hotel, em Dubai. O pai, solidéu sobre a cabeça, a mãe e os quatro filhos adolescentes protagonizavam cena infelizmente escassa em décadas passadas: vida judaica numa metrópole árabe.

Subitamente, um táxi se aproximou, parou e abriu a janela. “Bem-vindos, judeus. Estamos muito felizes com sua presença por aqui!”, exclamou a motorista.

O relato despontou em páginas do Gulf News, um dos principais meios de comunicação dos Emirados Árabes Unidos, na entrevista com Fleur Hassan-Nahoum, vice-prefeita de Jerusalém. “Foi realmente incrível”, comentou ela.

Um homem posa ao lado de menorá gigante durante celebração do Hanukkah em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos - Christopher Pike - 10.dez.21/Reuters

Tornou-se atividade corriqueira garimpar novidades no universo das relações árabe-israelenses, dominado antes por conflitos e aridez. O governo marroquino, por exemplo, anunciou a inclusão no currículo de aulas sobre história e cultura judaicas. A iniciativa surgiu para “a promoção dos valores de tolerância, diversidade e coexistência em escolas e universidades”, sustentou texto assinado por Saaid Amzazi, ministro da Educação.

Movimentos tectônicos a transformar o Oriente Médio, embora ainda em seus primórdios, demonstram o potencial descortinado pelos Acordos de Abraão, costurados em 2020 e responsáveis por acrescentar quatro integrantes à lista de países árabes a reconhecerem Israel.

Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão juntaram-se a Egito e Jordânia, cujos tratados de paz com o Estado judeu datam de 1979 e 1994, respectivamente. A nova onda da aproximação, no entanto, guarda uma diferença abissal com a fase anterior: lança as bases da “paz quente”, em contraste com os contatos rarefeitos, por exemplo, entre egípcios e israelenses.

Praticamente inexistem intercâmbios culturais, turísticos e esportivos como pontes a aproximar Egito e Israel. Regimes militares no Cairo optaram por evitar novos conflitos bélicos e por se aliar aos EUA na Guerra Fria, mas continuaram a alimentar forte sentimento anti-israelense entre egípcios, contaminando narrativas em ambientes midiáticos, educacionais e diplomáticos.

A lógica consistia em apresentar à opinião pública doméstica o conflito israelo-palestino como o “tema central” do mundo árabe, em tática diversionista a evitar debates sobre as liberdades individuais sufocadas e as economias ineficientes no Oriente Médio.

A fórmula de transformar o conflito com Israel em foco primordial dos interesses árabes se esgotou. Desafios como geração de empregos no chamado mundo pós-petróleo, a diminuição de interesse dos EUA pelo Oriente Médio, ao priorizar a China, e ameaças expansionistas do Irã forçaram a mudança de rumo.

De olho na necessidade de diversificar suas economias e de construir novas alianças no campo da segurança, Emirados Árabes Unidos e Marrocos desbravam uma trilha a rever as relações com Israel. Transformam um inimigo em aliado, no campo comercial, das inovações tecnológicas e até na área de defesa, diante da realidade imposta pelo século 21.

Desde os Acordos de Abrahão, mais de 100 mil israelenses já visitaram Dubai, ao chegar em voos diretos de companhias como FlyDubai e El Al. A WAM, agência de notícias dos Emirados, lançou serviço em hebraico, idioma também usado no Twitter por Mohamed Al Khajah, embaixador do país em Israel.

Os Acordos de Abrahão, além de redesenharem a lógica regional, poderiam ainda empurrar o Egito a abandonar a “paz fria” com Israel, substituindo-a por uma relação com a ousadia, dinamismo e inovação vistos nas opções de Emirados Árabes Unidos e Marrocos.

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