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Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".

Descrição de chapéu Governo Bolsonaro Coronavírus

Estamos todos exaustos com o governo Bolsonaro

A gente já começa o dia desgastado, para baixo, com o tanque pela metade

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Desculpa falar sobre isso de novo. Eu sei que todo mundo está cansado, eu também estou, mas desde que o Bolsonaro assumiu a Presidência uma camada extra de cansaço, estresse e exaustão foi adicionada às muitas que já tínhamos que suportar para viver no Brasil.

Em todos os encontros —presenciais ou remotos— profissionais e pessoais que participo, é sempre igual. Quase uma reza. Exorcizamos o Bolsonaro, botando para fora tudo de ruim que está acumulado no peito antes até de dizer bom dia. Falamos das insanidades da semana, das declarações abjetas da live de quinta ou de algum novo crime de responsabilidade que o Arthur Lira e o PGR não viram. Só depois podemos seguir. A gente já começa o dia desgastado, para baixo, com o tanque pela metade.

Presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Evaristo Sá - 14.set.2021/AFP

O “custo Bolsonaro” vai muito além do bolso, com a inflação beirando os dois dígitos, a gasolina chegando a R$ 7 ou o gás batendo R$ 120. Ele também atinge em cheio nossa saúde mental.

A vida no Brasil não era fácil antes do Bolsonaro, nunca foi e nunca será. Esse é um país forjado nas desigualdades, construído e pensado para ser racista e excludente. Isso gera um clima permanente de tensão, mas a chegada da extrema direita ao poder, aliada à pandemia da Covid-19, fez a vida e a saúde física e mental dos brasileiros atingirem um ponto de estresse que configura requintes de crueldade.

Um país onde todos os anos morrem 60 mil pessoas assassinadas, a maioria jovens e pretas, definitivamente não é um lugar tranquilo. Já existe há muitos anos um genocídio em andamento no Brasil. A forma criminosa com que o presidente vem conduzindo a pandemia não deixa dúvidas de que agora são dois. Não me lembro na história de algum outro país que tenha convivido com dois genocídios simultâneos. Seguimos serenos e tranquilos, deitados eternamente não sobre um berço esplêndido, mas sobre um barril de pólvora.

Quando tudo parecia impossível de piorar, descobrimos à custa de quase 600 mil mortes pela Covid-19 que o fundo do poço tem subsolo. Quando a porteira lá embaixo foi aberta, muita coisa ruim emergiu e nos conectamos com o mais perto que podemos chegar do inferno. O pacote de maldades que o presidente trouxe junto com ele cheira mal e nos remete a um dos períodos mais tenebrosos da história recente. Nenhuma sanidade se sustenta intacta sabendo que não aprendemos nada e estamos mais uma vez sob risco de um golpe de Estado.

É compreensível a eletricidade das ruas. O cérebro das pessoas fica em constante estado de alerta para muito além do vírus. Cansa imaginar que o motorista do carro ao lado pode ter uma carteira de CAC no porta-luva e uma arma embaixo do banco, já que encher o país de armas é a única missão que o governo leva realmente a sério além da reeleição. É exaustivo pensar que milhares de pessoas não sabem ainda, mas vão morrer nos próximos anos por causa de uma obsessão pessoal do presidente por armas e radares de velocidade nas estradas que vai na contramão de todos os estudos sobre o tema. É impossível não se abater em um país governado dessa maneira.

Mas quando o cansaço chega forte, convém lembrar que os governos passam e esse vai passar também. Ainda demora, temos muito sofrimento à vista nos próximos meses, mas já dá pra vislumbrar o fim e abrir contagem regressiva para nos livrarmos dessas duas chagas, o vírus e o presidente. Quando isso acontecer não tem como a gente não viver um tempo bom. A história mostra que depois das grandes tragédias sempre vem um período fértil e não vai ser diferente dessa vez. O que nós, sobreviventes, não podemos, jamais, é deixar alguém assim ser eleito de novo. Nossa saúde definitivamente não suportaria.

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