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Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Os super-ricos estão desequilibrados e precisam de limites

Relatório da Oxfam Brasil aponta que 73 bilionários da América Latina e Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões entre o início da pandemia e junho

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Dois relatórios divulgados recentemente não deixam dúvida quanto às vítimas e aos beneficiários da pandemia. A partir deles, se aprendermos com a crise, podem surgir caminhos para avançar na direção de uma sociedade mais equilibrada e que reduza os riscos socioambientais a que está exposta.

O relatório “Quem Paga a Conta? - Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid-19 na América Latina e Caribe”, produzido pela Oxfam Brasil, revela como bilionários desta parte do mundo ficaram imunes à crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus numa das regiões mais desiguais do planeta.

Segundo dados do relatório, 73 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões entre março (início da pandemia) e junho deste ano. Isso equivale a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os países da região. O Brasil tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões. O patrimônio líquido deles subiu de US$ 123,1 bilhões em março para R$ 157,1 bilhões em julho.

Em outro estudo, as Nações Unidas alertaram que a pandemia do novo coronavírus e a recessão global a ela associada podem desencadear um aumento da pobreza em todo o mundo pela primeira vez desde 1990 e levar 265 milhões de pessoas à beira da fome.

Ao tentarmos uma mirada mais longa, observamos que nos últimos cem anos as transformações foram enormes e, de alguma forma, nos inebriaram, nos iludiram quanto aos seus impactos. O extraordinário avanço tecnológico, que dobrou a expectativa de vida da população, reduziu a mortalidade infantil a um quinto e gerou um crescimento exponencial da riqueza, também foi incapaz de proporcionar uma vida digna e bem-estar para a maioria da população. Aumentou a concentração de renda e as desigualdades, a angústia e a depressão das pessoas nunca estiveram em patamares tão elevados.

Comunidade no bairro Jardim Bela Vista, em Guarulhos - Zanone Fraissat/Folhapress

O modelo de vida voltado à riqueza material e ao sucesso individual gera tensões e não entusiasma boa parte das pessoas, sobretudo as novas gerações, e desperdiça o enorme potencial emocional e de afetos que estas carregam.

O resultado deste processo é que vivemos em um mundo onde 70% das pessoas são pobres (Pew Research Center) e onde zero vírgula zero alguma coisa se apropria da riqueza produzida.

O atual modelo soube produzir riqueza, mas não sabe distribuí-la. Os que detêm a riqueza elegem os políticos que representam seus interesses e o sistema permanece concentrando riqueza em um círculo vicioso. A maioria das democracias não desarmou esta bomba relógio social.

É estarrecedora a insensibilidade de parte da elite empresarial e política focada somente nos resultados de curto prazo, sem atentar para a insanidade de um modelo que deixa de fora da vida e do mercado a maioria da população que, basicamente, vive com o mínimo para sobreviver.

É importante constatar que estes super-ricos estão desequilibrados e devem ser tratados como tais. Acumulam recursos suficientes para financiar suas gerações futuras em busca de suprir frustrações e se afirmar por meio da riqueza, condenando milhões de pessoas à pobreza devido a seus caprichos. No fundo, são crianças que não amadureceram e brincam nos jogos do mundo dos negócios, sem que ninguém lhes coloque limites.

Qual a justificativa plausível para alguns terem bilhões e outros nada? Ser empreendedor, inteligente ou ter instinto animal para os negócios? O resultado é a situação em que nos encontramos: uma enorme crise social geradora de medo, pobreza e violência, combinada com um desequilíbrio ambiental que coloca em risco a existência humana. E a pandemia é, ao mesmo tempo, consequência e reveladora deste desequilíbrio.

A maioria das lideranças políticas e empresariais tem consciência de que é necessária uma mudança no impacto social e ambiental desse modelo. Prova disso é que aproximadamente 185 dos 200 presidentes do mundo assinaram a Agenda 2030 e o Acordo de Paris, que definem compromissos para encaminhar soluções para os desafios globais (17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e evitar que o aquecimento global atinja 2ºC até 2100, o que será desastroso para a vida no planeta. Os mais importantes grupos empresariais também assumiram os compromissos.

Já existem estudos que apontam que atingiremos os 2ºC até 2050 (ontem Paris atingiu 43ºC e Bagdá na semana passada chegou a 51ºC).

O problema é que faltam recursos para estas agendas avançarem. Eles existem, mas estão nas mãos dos super-ricos. Cabe à sociedade colocar limites, não na capacidade criativa, mas na expansão ilimitada da riqueza. Não faz sentido em um mundo e país tão ricos poucas pessoas terem bilhões, seja na moeda que for, quando a grande maioria é pobre e mal consegue sobreviver.

Nosso desafio não é a criação de mais riqueza, mas, sim, a capacidade de distribuição de renda e de olhar para o outro de maneira a proporcionar-lhe uma vida digna. Falta coragem para os políticos tomarem as decisões que avancem nesta direção.

Uma possível (e necessária) reforma tributária no Brasil deve obedecer ao princípio da progressividade —cobrar mais de quem tem mais—, o que já será um avanço em um país acostumado a viver em um processo contínuo de concentração de renda que nos concedeu o malfadado título de mais desigual nação em desenvolvimento.

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