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Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Descrição de chapéu mudança climática

A necessária reversão de um tempo perdido

Crise climática, por exemplo, exige decisões de longo prazo em mundo liderado por pessoas que só pensam no curto prazo e em resultados imediatos

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O grande argumento utilizado pelos países na reunião do Fórum Político de Alto Nível da ONU (HLPF) para justificar a redução da velocidade de implantação das agendas socioambientais foi a pandemia. O encontro, que faz o balanço de como andam os países na Agenda 2030, terminou na segunda-feira (18) e marcou o retorno às reuniões presenciais do grupo, o que efetivamente melhora a qualidade das negociações entre as partes.

Mas, se a pandemia foi um álibi, há que se lembrar que mesmo antes dela a velocidade de mudanças estava aquém das expectativas, tanto que a ONU resolveu criar a década da ação 2020-2030, como a clamar por avanços mais intensos.

Incêndio na região de Zamora, na Espanha - 18.jul.2022 - Isabel Infantes/Reuters

Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, dá o tom do fórum. Visivelmente abatido pelas crises que se sobrepõem e a incapacidade dos países de resolvê-las, parece estar no limite de suas possibilidades, fazendo apelos de toda ordem. Os argumentos vão da pandemia à crise climática, da brecha tecnológica à crise alimentar. A crise climática, por exemplo, exige decisões de longo prazo num mundo liderado por pessoas que só pensam no curto prazo e em resultados imediatos para sua manutenção no poder, tanto no setor público quanto no privado.

O incrementalismo —mudanças lentas e pontuais— adotado pela ONU, governos, empresas e muitas ONGs, vem sendo cada vez mais criticado por não dar a resposta necessária à gravidade do problema que temos que enfrentar. As temperaturas se aproximando dos 50°C no Canadá, Itália e Espanha não dão margem a dúvidas quanto a seriedade do momento. Diante desta constatação, Guterres deu sinais de cansaço e chegou ao limite da radicalidade que o cargo permite, apelando com rigor a governantes e empresas.

Na real, as lideranças estão mais preocupadas com a disputa de poder e preferem promover guerras como plataformas de vaidade, a enfrentar os problemas reais do planeta, como as desigualdades e a mudança climática. Lamentavelmente, estão aquém dos desafios que temos.

No Fórum, 44 países apresentaram seu relatórios nacionais voluntários, avaliando especialmente os cinco ODS escolhidos para o reporte deste ano: educação de qualidade (ODS 4), equidade de gênero (ODS 5), vida na água (ODS 14), vida terrestre (ODS 15) e parcerias e meios de implementação (ODS 17).

O último relatório apresentado pelo Brasil foi em 2017 e o atual governo tem desprezado esta agenda. Extinguiu a Comissão Nacional dos ODS em 2019 e não tem considerado o desenvolvimento sustentável em seu planejamento e ações. Na falta de um posicionamento institucional, a sociedade civil brasileira assumiu o papel de fazer o Relatório Luz, que analisa a situação do Brasil nos 17 ODS. Dos 168 indicadores levantados, apenas um teve progresso satisfatório, 11 permaneceram ou entraram em estagnação, e 110 (!) estão em retrocesso, o que dá a medida do panorama que temos vivido nesta agenda da ONU. É necessário que o próximo governo eleito retome o compromisso de avançar nesta que é a principal agenda global.

Em 2023 chegaremos na metade do período da Agenda 2030. Tudo leva a crer que o balanço dos avanços estará muito aquém do esperado. Mesmo assim, seguir atuando para transformar essa situação é o que resta para tentar evitar o agravamento das crises social e ambiental. Estar atento às dissimulações e reducionismos pode contribuir para que o rumo seja alterado. Esse parece ser o último fio de esperança que une Guterres à Agenda 2030 da ONU.

Faz muito tempo que um pequeno grupo concentra poder econômico e político em detrimento da grande maioria da população. Tem sido essa a história da saga humana que se repete com o mesmo roteiro, embora com personagens que se renovam no tempo. Muda a aparência, mas a essência permanece a mesma.

A batalha por transformações assumida por algumas entidades da sociedade é nobre e, em muitos casos, dá sentido a uma existência que sabemos passageira e frágil. Mas a pauta não tem conseguido sensibilizar uma minoria poderosa, que insiste em manter seus privilégios. As reuniões da ONU se enquadram nesse roteiro, mas é chegado o tempo de ir além, com acordos vinculantes e mandatórios, sem os quais o filme continuará rodando até que a sala seja incendiada.

A reversão do tempo perdido depende de uma revolução institucional pouco provável. O modelo de governança anacrônico da ONU impede expectativas alvissareiras. A prática do veto, instaurada desde sua criação em 1945, quando aplicada em um contexto de disputas geopolíticas intensas como as que ocorrem nos dias de hoje entre EUA, Rússia e China, impede a formação de consensos em temas que afetam toda humanidade, como a redução das desigualdades e o enfrentamento da mudança climática, das crises econômica, energética e alimentar.

Uma saída seria democratizar a ONU, com a participação de um grupo maior de países e também da sociedade civil na tomada de decisões. A inação gera o atraso que atinge sobretudo a população mais vulnerável, mas que, mais cedo ou mais tarde, alcançará a todos, como a ciência não cansa de alertar.

Até quando a visão limitada das lideranças políticas apoiadas pelo poder econômico vai prevalecer, essa é a pergunta dos dias de hoje.

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