Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"
É a força da grana que faz esta edição olímpica se realizar a qualquer custo
Celebremos os contratos, e que os deuses do Olimpo cuidem de todos no Japão
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Na semana que passou tive a oportunidade de participar de um evento acadêmico com estudiosos do olimpismo de cinco diferentes países. Às vésperas de mais uma edição olímpica e distante dos encontros pré-evento, que nos últimos anos permitiu uma troca preciosa de informações, foi possível sentir em que pé se encontra a discussão sobre os Jogos de Tóquio.
O adiamento de um ano levou a posicionamentos que, de forma simplificada, foram reduzidos ao binarismo contra ou a favor da realização dos Jogos. Ai, esse bendito reducionismo que dificulta tudo. E mais uma vez aciono minha referência maior sobre olhar o mundo: a teoria dos lados do Menino Maluquinho, a saber, todo lado tem sempre mais do que dois lados.
Lá no distante ano de 2020 decidiu-se alterar a data da competição olímpica porque o mundo foi tomado por uma força estranha, que aniquilou, até agora, mais de 4 milhões de vidas. Não foi difícil, naquele momento, dizer que era preciso parar tudo.
Não havia nenhum item nos contratos, escrito em letras minúsculas, que algo parecido poderia acontecer.
De lá para cá as discussões giraram em torno de realizar ou não o evento. E, em se definindo que ele seria realizado de qualquer maneira, a pergunta que não quis calar foi: em que condições?
Depois de muitas idas e voltas, as delegações de todo o mundo começam a chegar ao Japão, onde deveriam acontecer Jogos impecáveis.
E, para minha curiosidade, ouço um professor universitário japonês dizer, com certo constrangimento, que nada será como o previsto. Afinal, aquela competição que deveria promover o congraçamento entre os povos será marcada pela necessidade de reclusão e confinamento.
As cidades que acolherão atletas e comissões técnicas com culturas diferentes, dispostas a aprender o congraçamento entre os povos, vivem uma curva ascendente de contaminação, o que levou Tóquio a decretar estado de emergência e o cancelamento de público nas arenas esportivas.
Não sou dada a filmes de terror nem de ficção científica, mas ao ouvi-lo, comecei a imaginar algo parecido com o que fujo das telas.
O fato é que estamos diante de uma situação complexa que envolve a necessidade de celebração, não da humanidade, mas de contratos firmados com cláusulas quase impossíveis de serem descumpridas. Sendo assim, o show deve começar.
Era de se esperar que os atletas desejassem essa realização a qualquer custo. Compreensível. Ninguém é capaz de prever se haverá a possibilidade de se superar mais um ciclo olímpico para se chegar a Paris em 2024. E quando se conhece um pouco da vida de atleta olímpico, isso é tudo.
Por outro lado, também sabemos que a questão maior não é prestigiar essa geração de atletas. O que fará esta edição olímpica se realizar a qualquer custo é a força da grana, que ergue e destrói coisas belas.
Seria um prejuízo sem tamanho para o Japão e também para o COI. Gravitam em torno dessa questão os direitos de transmissão das competições das 33 modalidades, 50 disciplinas e 339 eventos. Telinhas de todos os tamanhos ao redor do mundo receberão as imagens, em diferentes ângulos, de gestos habilidosos sugerindo como trilha sonora o escoar de moedas, como nas máquinas premiadas de caça níqueis.
Celebremos pois os contratos! De quebra, que os deuses do Olimpo cuidem de toda a trupe que chegará à terra do sol nascente. E isso vale também a todos os profissionais que farão a cobertura dessa que deveria ser uma celebração da humanidade.
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