Quando o barão Pierre de Coubertin reinventou os Jogos Olímpicos, ele jamais poderia imaginar no que se transformaria esse espetáculo que nasceu para ser uma grande celebração, ainda que para poucos e abastados.
Até morrer, em 1937, ele assistiu à interrupção do ciclo olímpico em 1916, por causa da Primeira Guerra. Depois viu a transformação dessa celebração em um grande espetáculo com os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1932, mas nada que se comparasse aos Jogos de Berlim, em 1936. Sob a coordenação da equipe de propaganda nazista, aquela edição olímpica foi transformada no maior espetáculo olímpico jamais visto, nas palavras do próprio Coubertin.
Talvez tenham sido Hitler e sua equipe os primeiros a perceber o quanto essa celebração, que nasceu para promover a paz entre as nações e ser uma linguagem universal, poderia ser utilizada como uma forma de mostrar ao mundo a pujança de uma nação e a força de um povo.
O que é possível observar depois de 1936, ao longo de todo o período da Guerra Fria e em plena ocorrência do profissionalismo, é que o deslocamento de objetivos continua a acontecer e isso pode ser observado na presença cada vez mais necessária do Estado na realização dos Jogos Olímpicos, mesmo quando se cantava a todos os ventos a autonomia de um movimento que temia se envolver com a política.
Estamos a poucas semanas de uma edição de Jogos que entrará para a história como a primeira a quebrar o calendário olímpico. Será realizada nas circunstâncias possíveis. E, mesmo faltando tão pouco tempo, teme-se que sua realização ainda não ocorra, justamente pelo desejo político dos anfitriões.
A razão para essa dúvida é clara. Vivemos uma pandemia e não há garantias sanitárias de que o vírus não se multiplique em solo japonês ou de que não se crie uma variante olímpica diante da aglomeração inevitável que se viverá lá.
Apesar dessa ameaça, a discussão sobre as circunstâncias da realização dos Jogos se mantém em alto nível. Claro que isso se dá pelo respeito a um sistema político estável, no qual pessoas são destituídas de seus cargos por questões morais, como foi o caso do presidente do comitê organizador. O suicídio ainda pouco esclarecido do membro do Comitê Olímpico Japonês também aponta para uma questão moral relacionada aos Jogos de Tóquio.
Imagino se a crise sanitária tivesse acontecido com os Jogos sendo realizados em um país com um sistema político esgarçado, sujeito a instabilidades, com dirigentes acusados de corrupção e sem compromisso com ideais que se aproximam dos olímpicos.
O último processo de postulação olímpico foi pouco falado aqui na ex-sede. Depois da dupla escolha de Paris e Los Angeles, era hora de pensar no longo prazo e preparar o terreno para mais uma edição, desta vez sem atropelos. É evidente a busca de garantias institucionais para a realização da grande festa olímpica.
Por isso não me causou estranheza a escolha de Brisbane para a edição olímpica de 2032. Cidade de um país que já abrigou os Jogos de 1956 e 2000 e tem o sistema político que casa como uma luva ao COI. Além de uma estrutura esportiva invejável, a Austrália se destaca entre as potências olímpicas mundiais em várias modalidades.
E assim temos o casamento perfeito. Política estável e jogos sem atropelos. Espero que Tóquio-2020 tenha ensinado que, mesmo diante de todo planejamento, há calamidades inevitáveis. E não será deixando a competição olímpica entre os mesmos que seus valores serão tomados como universais.
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