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Costa Rica: eleições em tempos de crise

O que não há dúvida é que o próximo presidente vai caminhar no fio da navalha

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Enrique Gomáriz Moraga

Sociólogo, participou da Zona Aberta e da refundação do Leviatã. Foi consultor internacional de PNUD, UNFPA, GIZ, IDRC e BID

Existe uma concordância em todos os centros de pesquisa e estudos acerca de que a palavra que define bem a atual corrida eleitoral na Costa Rica é incerteza.

Uma incerteza relativa, é claro, porque mais da metade da população acredita que o próximo presidente da República será José María Figueres, candidato do social-democrata Partido de Liberação Nacional (PLN).

Mas a considerável dispersão dos candidatos e o alto nível de indecisos (mais de 40%) valida essa sensação de incerteza, posto que, embora exista coincidência acerca de que nenhum candidato vencerá no primeiro turno, é impossível prever quem irá para o segundo.

O problema de fundo é que esta campanha, sem brilho e incerta, tem lugar numa conjuntura de crise nacional como não se lembrava desde 1984, quando a grande crise da dívida explodiu.

Isso é repetido pela maioria dos candidatos, muitos dos quais falam da emergência nacional em que o país se encontra.

E, claro, faz muito tempo que não ocorre uma coincidência tão grave entre a estagnação econômica e a crise sociopolítica.

Imediatamente antes de a pandemia chegar, a Costa Rica mostrou um sério desequilíbrio macroeconômico.

O aumento acentuado da dívida e o déficit fiscal forçaram o governo a lançar a Lei 6.935, sobre o fortalecimento das finanças públicas, que provocou um forte declínio no consumo e um aumento considerável do mal-estar social.

De toda maneira, no início de 2019 a dívida atingiu 60% do PIB e o déficit fiscal de 7% do produto interno. É sobre esse panorama que a pandemia aterrissou no início de 2020.

A contração econômica daquele ano se aproximou de 5% do produto nacional, e os gastos sanitários agravaram a situação das finanças públicas: a dívida ultrapassou 70% do PIB e o déficit fiscal aumentou ainda mais.

O governo do Partido da Ação Cidadã (PAC), encabeçado por Carlos Alvarado, aceitou que o país iria à imediata falência se não recorresse ao apoio internacional e entrou em negociações com o FMI (Fundo Monetário Internacional).

O presidente da Costa Rica, Carlos Alvarado, fala na COP26, em Glasgow (Escócia) - Hannah McKay - 2.nov.2021/Reuters

Em setembro de 2020, houve a explosão social contra a negociação com o fundo que paralisou o país por vários dias e que fez muitos lembrarem dos protestos no Chile no ano anterior.

Recentemente, faltando poucos dias para as eleições, o verdadeiro alcance dessa explosão social veio à tona: os líderes do protesto haviam pedido ao então presidente da Assembleia Legislativa, Eduardo Cruickshank, que fosse formado um governo porque o objetivo final da mobilização era derrubar o presidente Alvarado.

Essa perspectiva de golpe em uma democracia como a da Costa Rica dá uma ideia da gravidade da crise sociopolítica.

A queda da popularidade do governo de saída, em meio a altos escândalos de corrupção, poderia provocar o colapso do partido no poder, que não só perderia as eleições retumbantemente (as pesquisas dão-lhe 1% de intenção de voto) mas até mesmo enfrenta o risco de ser irrelevante na Assembleia.

Dois governos sucessivos foram suficientes para minar os fundamentos nos quais se baseou a configuração do PAC.

Mas talvez o fenômeno mais preocupante seja o baixo nível de confiança mútua que o país experimenta.

Os costarriquenhos não confiam nas instituições públicas, mas também não confiam uns nos outros. Os estudos mais recentes a esse respeito mostram níveis de confiança mútua semelhantes a países como El Salvador ou Nicarágua.

Não surpreende, portanto, que as tentativas de conseguir acordos básicos para enfrentar a crise nacional não tenham se concretizado nesta legislatura. Faltavam ingredientes básicos, como a credibilidade da liderança convocante e um nível mínimo de confiança mútua.

Nessas condições, há dois fenômenos que estão presentes nestas eleições: a escolha por descarte (ou eleição do menos ruim) e a existência de um elevado nível de intenção oculta do voto. Não são fenômenos novos, porque já se manifestaram nas eleições de 2018, mas nas atuais parecem mais pronunciados.

Nas últimas pesquisas, o percentual de indecisos subiu novamente, para 49%, e as respostas mais frequentes referem-se a que escolherão por descarte.

Mas a maioria dos observadores acredita que o aumento dos indecisos contém uma quantidade considerável de votos ocultos. O eleitorado não está disposto a declarar em quem votará, entre outros motivos, porque há também um alto voto de rejeição manifesta.

Candidatos à Presidência da Costa Rica, José María Fugueres, Lineth Saborio e Fabricio Alvarado (da esq. para a dir.) participam de debate na capital do país, San José - Ezequiel Becerra - 1º.fev.2022/AFP

Por exemplo, o candidato que lidera as pesquisas, Figueres, enfrenta esta grave circunstância: 40% dos entrevistados dizem que nunca votariam nele, o que coloca em questão sua vitória no segundo turno.

O candidato do Partido da Unidade Social Cristã (PUSC), Lineth Saborío, que aparece como segunda opção nas urnas, apresenta uma menor rejeição.

Especula-se sobre qual será o destino desse voto oculto.

Tudo indica que uma parte iria para o PAC, que dificilmente ficaria apenas com esse 1% de apoio. Outra parte seria orientada para o próprio Figueres, apesar do voto contrário que se faz público.

E talvez nesse voto oculto haja também uma proporção de eleitores que apoiariam Fabricio Alvarado, do partido Nova República, que representa os setores confessionais, principalmente evangélicos, que já perderam as últimas eleições por terem proposto a separação da Costa Rica da Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando decidiu a favor do casamento homossexual.

De qualquer forma, não está descartada a surpresa de quem passará em segundo lugar para a próxima fase, dado o nível de rejeição apresentado pelas principais forças políticas. E provavelmente o candidato escolhido o faria com uma proporção muito reduzida do padrão eleitoral.

Pode-se, assim, falar de um círculo vicioso entre a incerteza eleitoral e a crise econômica e sociopolítica.

A dispersão dos candidatos e o alto nível de indecisos não são simplesmente fenômenos políticos epidérmicos, mas refletem problemas com raízes profundas nas entranhas da sociedade.

O que não há dúvida é que o próximo presidente vai caminhar no fio da navalha.

Mesmo que obtenha um período inicial de carência, qualquer tropeço em sua gestão dará origem a novas manifestações que expressem o mal-estar social acumulado.

É difícil estimar o grau de turbulência que se antecipa no horizonte.

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