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O que significa a Nicarágua reconhecer 'uma única China'?

Decisão é perigosa ao sugerir a vontade de testar os limites do que o país pode perceber como fraqueza da gestão Biden

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R. Evan Ellis

Professor e pesquisador sobre América Latina no Instituto de Estudos Estratégicos do Exército dos EUA

O reconhecimento da Nicarágua de "uma única China" e o fim das relações com Taiwan prolongarão a curto prazo a vida do governo autoritário daquela nação, expandirão as oportunidades para o avanço estratégico da China na América Latina, contribuirão para a desestabilização da Ásia e o risco de guerra naquele país, e fortalecerão a dinâmica do populismo de esquerda na América Latina, em detrimento dos Estados Unidos.

O giro diplomático de 12 de dezembro de 2021 do governo sandinista da Nicarágua de cortar os laços bilaterais que tinha com Taiwan desde 1990 provavelmente levará a uma expansão simbólica nas compras de café, frutas e outras exportações tradicionais da Nicarágua de empresários bem ligados a Ortega e sua comitiva próxima, bem como a um novo empréstimo da potência asiática para projetos de infraestrutura e atividades comerciais chinesas no país.

Esses benefícios a curto prazo, provavelmente resumidos em memorandos de entendimento não transparentes a serem assinados quando Daniel Ortega e sua família viajarem para a China para iniciar o novo relacionamento, proporcionarão benefícios às elites empresariais nicaraguenses e outras forças-chave para conter o aumento do descontentamento contra o crescente autoritarismo, má administração e isolamento econômico do governo Ortega.

O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, faz sinal de positivo na capital do país, Manágua; ele tem bigode grisalho e usa boné azul
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, faz sinal de positivo na capital do país, Manágua - Cesar Perez - 7.nov.2021/AFP

Eles compensarão parcialmente a crescente perda de acesso da Nicarágua a investidores ocidentais devido às sanções dos EUA e da Europa, a deterioração do ambiente no país e a perspectiva de expulsão da Nicarágua do Cafta-DR (Acordo de Livre Comércio América Central-República Dominicana-Estados Unidos).

Para a China e suas empresas, a reviravolta da Nicarágua expandirá significativamente seu acesso estratégico comercial, político e de outra natureza na América Central, particularmente se o recém-eleito governo populista de esquerda de Xiomara Castro em Honduras também mudar as relações de seu país com a China, como ela prometeu fazer como candidata.

A combinação dessas mudanças deixaria Guatemala e Belize como as únicas fortalezas na América Central que ainda reconhecem Taiwan, permitindo à China mudar o foco de sua competição diplomática no hemisfério ocidental para o Caribe.

Com os três países do golfo de Fonseca (El Salvador, Honduras e Nicarágua) reconhecendo a República Popular da China, ela abriria essa área para sinergias entre os projetos de infraestrutura chineses nas três nações, inclusive entre um novo complexo portuário desenvolvido pelos interesses chineses em La Unión, a participação chinesa em um novo corredor transoceânico através de Honduras que conecta seu acesso ao golfo de Fonseca no Pacífico com San Pedro Sula e Puerto Cortés no Atlântico, e conecta o novo centro comercial com acesso rodoviário ao longo do lado Pacífico da Nicarágua.

Tais ações reabrirão a perspectiva de um canal através da Nicarágua, cuja base legal já foi concedida ao desenvolvedor chinês Wang Jing e sua empresa HKND. De fato, embora a viabilidade comercial de tal canal continue sendo duvidosa, o reconhecimento diplomático aumenta a probabilidade de que tal projeto vá adiante.

Seu principal parceiro nicaraguense, Laureano (filho de Daniel Ortega), foi o líder da delegação nicaraguense que se encontrou com seus homólogos em Tianjin (China) para negociações destinadas a mudar o eixo das relações da Nicarágua de Taiwan para a China.

Em novembro de 2021, talvez em antecipação à mudança diplomática da Nicarágua, o líder chinês do projeto do canal, Wang Jing, reapareceu para defender publicamente a continuação dos trabalhos, depois de ter estado fora dos olhos do público por um ano e meio.

A expansão da presença chinesa e russa na América Latina

Além das oportunidades comerciais, o reconhecimento da Nicarágua proporciona à China novas oportunidades de cooperação em matéria de segurança e venda de armas em uma sub-região da qual há muito foi excluída.

Os regimes populistas de esquerda, como Venezuela sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro, Equador sob Rafael Correa, Bolívia sob Evo Morales e Argentina sob Cristina Fernández de Kirchner foram os mais importantes compradores de material militar chinês na América Latina.

As relações diplomáticas com o regime sandinista na Nicarágua, com seus antigos estoques principalmente de armamento russo, criam oportunidades potenciais para empresas de armamento chinesas como Norinco e CATIC, bem como para fornecedores chineses de sistemas de vigilância e telecomunicações que podem ajudar o governo Ortega a controlar melhor sua população.

A longo prazo, a coincidência do reconhecimento da China por parte de El Salvador, Honduras e Nicarágua aumenta a lógica do golfo de Fonseca como o local de uma eventual base naval chinesa, embora provavelmente dentro de uma década ou mais.

Na Ásia, a recente decisão da Nicarágua, e a perspectiva de Honduras também mudar suas relações, reduz o número de países que reconhecem diplomaticamente Taiwan a níveis perigosamente baixos.

Dado o desejo do governo Xi Jinping de incorporar Taiwan à China antes do final de seu terceiro mandato, e às crescentes manifestações de agressão contra Taiwan pelo Exército de Libertação do Povo e sua Força Aérea, a diminuição do número de amigos de Taiwan aumenta a tentação de Xi de se mover contra Taiwan como um assunto interno, como fez com Hong Kong, potencialmente escalando uma grande guerra com o potencial de se estender para além da região.

Para os EUA e para a América Latina, a decisão da Nicarágua cria uma sinergia desconfortável entre quatro governos financiados pela China na parte mais próxima das Américas: o regime de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) no México, o de Nayib Bukele em El Salvador, o de Ortega na Nicarágua e possivelmente o de Xiomara Castro em Honduras.

Em todos os casos, a opção de expandir as exportações de commodities para a China, os empréstimos para projetos de infraestrutura e a entrada de empresas chinesas reduzem a alavancagem dos EUA.

Para a Nicarágua especificamente, e possivelmente mais tarde para o futuro governo Castro em Honduras, o reconhecimento da China e o influxo de recursos associado também é suscetível de incentivar e criar oportunidades para a Rússia, que nos últimos anos forneceu a Ortega tanques T-72, barcos de patrulha, uma estação de conexão para sua constelação de satélites Glonass, e uma instalação regional de treinamento policial com pessoal da agência antidrogas FSKN.

Também pode aumentar a viabilidade do improvável compromisso da russa Rosatom (Companhia Estatal de Energia Nuclear) de construir um reator na Nicarágua.

A decisão da Nicarágua, embora seja apenas um regime isolado, é significativa por aquilo que representa para a China e as Américas.

É perigoso pelo que sugere sobre a crescente audácia e vontade de testar os limites do que o país pode perceber como a fraqueza ou timidez da administração Biden.

Coluna inicialmente publicada no site da Redcaem.

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