Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Os fiscais de fantasia
Carnaval é a grande festa popular da quebra de regras, não da imposição de novas
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O governador da Bahia postou, no Twitter, uma lista de fantasias proibidas no Carnaval. Entre elas, a de indígena. Seria desrespeitoso se apropriar de seus trajes, transformando essa cultura em estereótipo. A revista de moda Vogue também embarcou na onda: quem não tem ascendência asiática, indígena ou africana não pode se vestir de gueixa, usar cocar ou turbante.
A origem dessas cartilhas censórias é o movimento identitário, que insiste em enfiar política em qualquer aspecto da vida cotidiana, até chegar ao disparate de racionalizar uma festa popular que se baseia justamente na quebra da razão, que remonta à "festa dos loucos" (festum stultorum, em latim) na Idade Média, e à Saturnália, na Roma Antiga.
Durante essa última, as barreiras sociais eram abolidas, senhores serviam escravos e escravos vestiam-se de senhores. Tribunais eram fechados, jogos de azar autorizados. A zombaria corria solta. Do mesmo modo no período medieval, como descrito por Mikhail Bakhtin, para quem o uso de máscaras e fantasias era um modo de dissolver a individualidade cotidiana no meio da multidão.
Assim, se fantasiar de gueixa, usar cocar ou turbante não é ofender etnias, mas apenas deixar de ser, por alguns dias, um motorista estressado, um bancário deprimido ou uma dona de casa cansada. Como diz a canção: "A gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho pra fazer a fantasia de rei, ou de pirata, ou jardineira, e tudo se acabar na quarta-feira".
Perspectiva que remete ao existencialismo francês, no qual o ideal era o ator, que nunca é ele mesmo, ou melhor, que brinca de ser o que é. Tal brincadeira nos faz mais humanos. Não somos objetos, que são sempre a mesma coisa e cumprem sempre a mesma função. Temos desejos que não cabem na forma do bolo social.
O Carnaval é a grande festa popular da quebra de regras, não da imposição de novas. Censurar fantasias é, portanto, um desatino histórico e antropológico. Mandem as regras às favas! Divirtam-se.
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