Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

É errado usar fantasia de indígena no Carnaval? E falar 'programa de índio'?

Daniel Munduruku ensina o que é legal e o que não se deve fazer em relação à cultura indígena

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São Paulo

Em 2020, a atriz Alessandra Negrini foi criticada por escolher como fantasia de Carnaval um cocar e pinturas corporais que faziam referência a povos indígenas. Nas redes sociais, houve quem chamasse sua opção de apropriação cultural e racismo, por exemplo, e quem propusesse o seu "cancelamento".

De lá para cá, a quantidade de foliões vestidos com elementos indígenas vem diminuindo —é raro ver fantasias dessa natureza nos blocos de rua e festas particulares. Mas será que os indígenas brasileiros acham mesmo ofensivo quando alguém usa adereços relacionados à sua cultura no Carnaval?

Alessandra Negrini curte o bloco Acadêmicos do Baixo Augusta neste domingo (16)
Alessandra Negrini no bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, vestida com fantasia que fazia referência aos indígenas - Thiago Duran/AgNews

"Eu não creio que cabe a qualquer segmento da sociedade brasileira ficar fazendo proibições a esse tipo de uso", responde Daniel Munduruku, filósofo, professor e ativista indígena brasileiro, autor de livros infantojuvenis como "Histórias de Índio" (Companhia das Letrinhas).

"Acho que o Carnaval é um momento de alegria, de festa. As pessoas, ao se fantasiarem de indígenas, querem fazer uma homenagem. Eu não sou tão radical ao ponto de achar que não se deva fazer a fantasia, mas tem que ficar claro que se trata disso: uma fantasia."

Para ele, a festa é um "território livre" em que cabem celebrações e também críticas. Desta forma, as antigas fantasias com este tema serviriam tanto como representação do que se pensava sobre os indígenas quanto como reflexão a este mesmo respeito.

"Não acho que alguém fantasiado de um 'índio', e aqui coloco aspas, esteja simplesmente se apropriando de alguma cultura. Não está. Ele é um não-indígena num momento de alegria, de festa, de celebração, de protesto", avalia o escritor.

Daniel Munduruku durante entrega do prêmio Milú Vilela, em novembro passado - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Por outro lado, Munduruku critica algo que também caiu em desuso nos últimos anos: a expressão "programa de índio", que definia um passeio ou atividade que saiu errado por qualquer motivo. Algo como o "perrengue" de hoje em dia.

"Quando se usa essa expressão, eu diria que estão cometendo um equívoco. Se a gente for pensar em programas culturais dos povos indígenas estamos falando de coisa boa, positiva. Eu diria que 'programa de índio', na sua raiz, é na verdade um programa de desafio, de respeito à natureza", rebate.

"É errado porque mostra ignorância de quem usa. Mas ainda vamos vencer isso."

Munduruku acha que é preciso "desentortar o pensamento" dos não-indígenas, e dá sugestões de outras regras de conduta no dia a dia. Por exemplo: será que é legal comprar cocares em viagens?

"Não é legal do ponto de vista turístico, inclusive. Não se pode comercializar cocares feitos com penas de pássaros, existe uma legislação que proíbe isso. Os artesãos indígenas ainda podem fazer e fazem, respeitando sua própria legislação interna", ensina.

Para o escritor, quando o cocar se encontra fora do contexto de um ritual, ele é apenas um objeto, e não haveria impedimento em mantê-lo em casa, por exemplo, como um souvenir de viagem. "Desde que não seja fruto de contrabando ou de malandragem", pondera.

A compra de artesanato produzido por indígenas como um todo não é um impasse para Munduruku. "Se um cidadão não-indígena acha bonita a arte indígena e vai usar isso, e reconhecer e valorizar, acho positivo", explica.

"Os indígenas usam colares, pulseiras, brincos muitas vezes também com objetivo estético e não ritual. A gente tem que parar de achar que o indígena usa essas coisas porque são sagradas. Eles usam porque querem ficar bonitos."

Ainda em relação ao turismo, ele não acha ruim que viajantes visitem aldeias indígenas. Munduruku acrescenta que há lugares que inclusive sobrevivem às custas disso, criando uma "sustentação econômica".

"Também há escolas que vão visitar aldeias 'cenográficas', armadas em sítios pelos arredores de São Paulo, e isso acaba gerando um produto pedagógico. Vem gente do Xingu, do Amazonas, de vários lugares do Brasil, e que faturam seu ganho ali, fazendo oficinas, de pintura, canto, dança, língua", diz.

"Assim, a gente vende a nossa arte, a nossa cultura, e consegue se sustentar sem precisar explorar o meio ambiente. Acho muito positivo, desde que seja organizado e que não seja exploração comercial de alto impacto ambiental."

Munduruku ensina que, para respeitar os indígenas, é preciso antes de tudo saber mais sobre eles. "A melhor forma de celebração é o respeito, e não há possibilidade de respeitar sem conhecer", acredita.

Para tanto, ele sugere caminhos como os livros e as músicas produzidas por autores indígenas, bem como acompanhar o que dizem lideranças nas redes sociais.

"É preciso elaborar melhor o conhecimento que se tem sobre esses povos, e descobrir qual o indígena que mora dentro da gente. Se é esse indígena do imaginário, ideologizado, que está fora do tempo, no passado, caricato, ou se é um indígena contemporâneo, que está na luta, se formando, estudando, se organizando, criando mecanismos de sobrevivência."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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