Após a Segunda Guerra, a Alemanha incorporou à sua legislação o conceito de "democracia militante", formulado pelo filósofo Karl Loewenstein em 1937, que tem como objetivo barrar discursos que atentem contra o regime democrático.

Qualquer semelhança com o famoso inquérito das fake news, instalado pelo STF em 2019, não é mera coincidência: o ministro Gilmar Mendes sustentou a criminalização de ideias autoritárias a partir do princípio alemão. Contudo não há nada na Constituição brasileira que proíba a divulgação de ideias opostas à democracia. O artigo 359-L do Código Penal, muito usado pelo ministro Alexandre de Moraes, tampouco: "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito". A tipificação é clara, deve haver ação violenta, não só palavras.

A democracia é um conceito e a lei penal não deve proteger conceitos, mas pessoas (tanto que já pune os crimes de calúnia, difamação, injúria e ameaça). Falas antagônicas a esse regime devem ser livres, na direita e na esquerda. Caso contrário, é uma democracia fajuta, já que não suporta críticas a ela mesma.

Agora, o governo resolve se juntar ao Judiciário nessa cruzada ao criar a Procuradoria Nacional em Defesa da Democracia que, com o discurso vago de promover a "democracia defensiva" e o combate à "desinformação" pode muito bem servir para acintes à liberdade de expressão.

E não para aí. O ministro dos Direitos Humanos prometeu criar a Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Ora, quem não vê perigo em um órgão ligado ao Executivo decidir o que é verdade precisa urgentemente ler "1984".

Para a esquerda que acha atraente o conceito de "democracia militante", vale lembrar que foi a partir dele que a Alemanha Ocidental proibiu o Partido Comunista em 1956. A melhor militância a favor da democracia é permitir que discursos, mesmo estúpidos, tenham fluxo livre no debate público. Autoritarismo se combate com mais, não com menos, ideias em circulação.