Siga a folha

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

'Blonde' é armadilha que mostra como Hollywood evoluiu pouco em 70 anos

Intimidado, o diretor Andrew Dominik fragiliza Marilyn Monroe, a mulher mais poderosa do cinema mundial

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

"Blonde" não é um filme, é uma armadilha. Você logo percebe que não está diante de uma cinebiografia da Marilyn Monroe, e sim de um filme de terror. Um filme que não é sobre uma mulher e sim sobre um homem disposto a torturar essa mulher até as últimas consequências.

Esse carrasco se chama Andrew Dominik, o roteirista e diretor que, mesmo dispondo de um orçamento milionário, não consegue nos convencer de uma mentira muito bem contada há séculos: de que mulheres são apenas vítimas.

Ilustração de Silvis para a coluna de Manuela Cantuária - Silvis

Reduzir uma mulher a uma vítima da violência masculina é a forma mais narcisista e cruel que um homem pode encontrar para esvaziar o protagonismo feminino. A personagem de Marilyn só sofre ao longo do filme. Ela é assediada, estuprada, explorada, agredida, objetificada do começo ao fim. O protagonismo das cenas é sempre dos personagens masculinos, porque são eles que agem.

Essa suposta protagonista, em nenhum momento, expressa qualquer ambição. Sua carreira astronômica é retratada como um empecilho que teria frustrado seu maior desejo: o de ser mãe. Em "Blonde", Marilyn faz três abortos e nenhum deles é por vontade própria. Os abortos são filmados pelo ponto de vista do embrião, que ganha mais importância e subjetividade do que a própria Marilyn.

As cenas de estupro e de sexo têm os mesmos enquadramentos, filmadas como se fossem a mesma coisa. A vontade dessa suposta protagonista, para o diretor, pouco importa, ela é só um objeto. Dominik chegou a dizer, em uma entrevista, que nunca havia se interessado pela Marilyn, porque os maiores sucessos da atriz são filmes sobre "piranhas bem vestidas".

Intimidado pela força de Marilyn, o diretor optou por fragilizá-la. Porque a Marilyn Monroe de carne e osso foi a mulher mais poderosa do cinema mundial. Ela era irônica, dona do próprio desejo, usava pseudônimos e disfarces, questionava o fato de ser objetificada. Também tinha seus traumas e vícios, e é isso que faz dela complexa, vulnerável e humana.

A grande ironia é que Dominik não tem poder suficiente para ser o antagonista de Marilyn. Quando US$ 22 milhões são investidos em seu roteiro, a indústria hollywoodiana que oprimiu Marilyn acaba produzindo uma prova contra si mesma, revelando como pouco evoluiu em 70 anos. É por isso que "Blonde" não é um filme, é uma armadilha.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas