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Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Descrição de chapéu Eleições 2022

Mesmo dando ruim, segundo turno vai passar, como tudo

Menos Jair Bolsonaro e mais Sigmund Freud, Annie Ernaux e Svante Pääbo

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Os anúncios dos prêmios Nobel até quinta-feira (6) tinham trazido duas alegrias, e não foi com física nem com química, para variar difíceis. Literatura e medicina deram mais que pensar, inclusive sobre a acusação de que a láurea representa o suprassumo do conhecimento arrogante, branco e machista.

Na literatura, saiu contemplada Annie Ernaux, feminista que renovou a escrita autobiográfica e, segundo aprendi com Juliana Cunha, andou ignorada pela crítica em seu próprio país. Tive a sorte de estrear com ela o catálogo da Fósforo Editora, ao ver lançado em 2021 meu "Psiconautas".

Ernaux, 82, narrou em "O Acontecimento" o aborto clandestino que fizera aos 23. Fernanda Diamant e Rita Mattar, da Fósforo, tiveram a coragem de publicar o livro (e outros três) num país em que esse tema virou anátema e a francesa era quase desconhecida.

O que são quatro anos de Jair Messias Bolsonaro (ou oito de Luiz Inácio Lula da Silva, por falar nisso) diante de uma evolução tão longa como a dos neandertais? - Evaristo Sá/AFP

No prêmio de medicina, ganhou Svante Pääbo, 67, sueco bissexual que carrega o nada familiar sobrenome da mãe estoniana e desvendou o genoma dos neandertais, relatou Reinaldo José Lopes, companheiro neste espaço. Antes pintados como brutamontes, graças a Pääbo se sabe hoje que todos carregamos um pouco do DNA desses hominínios.

Nossos primos distantes andaram pela Terra por 1 milhão de anos, até uns 40 mil anos atrás. Tempo bastante para miscigenar-se com espécimes de Homo sapiens, ancestrais que legaram a maior parte de nossos genes, e também o suficiente para evidenciar a insignificância do momento histórico vivido no Brasil.

O que são quatro anos de Jair Messias Bolsonaro (ou oito de Luiz Inácio Lula da Silva, por falar nisso) diante de uma evolução tão longa e de um tempo tão profundo? Vírgulas num livro, se tanto.

Entre um e outro anúncio do Nobel fui agraciado também com a leitura de um belo texto de Sigmund Freud (mais um), de 1916, escolhido para a aula de alemão pela afilhada Elisa Dourado. O título é "Transitoriedade", e ele fala de perdas e luto; poderia estar falando do Brasil de Bolsonaro.

Freud começa narrando certo passeio em dia de verão na companhia de um poeta. Flores e luz por toda parte, mas o amigo se põe a lamentar que tanta beleza tenha obrigatoriamente de perecer.

"Tudo o mais que, de outro modo, ele teria amado e admirado, lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que era o destino de tudo", lê-se na tradução de Paulo César de Souza para a Companhia das Letras.

O criador da psicanálise discorda, com a sabedoria e a elegância que faltam a seus críticos de hoje. "Ocorre que essa exigência de imortalidade é tão claramente um produto de nossos desejos que não pode reivindicar valor de realidade. Também o que é doloroso pode ser verdadeiro", pondera.

"Eu não pude me decidir a refutar a transitoriedade universal, nem obter uma exceção para o belo e o perfeito. Mas contestei a visão do poeta pessimista, de que a transitoriedade do belo implica sua desvalorização. (...) A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade."

Freud revela então que o passeio se dera pouco antes da Primeira Guerra Mundial, destruidora de tanta beleza e esperança. Soa familiar? Mas ela é igualmente transitória, ensina, e o luto pela perda pode também ser libertador.

"Superado o luto, perceberemos que a nossa elevada estima dos bens culturais não sofreu com a descoberta da sua precariedade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de modo mais duradouro do que antes."

Não tão firme, como provou a Segunda Guerra, mas esta também acabou. Mesmo que tudo dê ruim de novo no segundo turno, tudo passará —mais uma vez.

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