Jornalista e roteirista de TV.
E o Bolsonaro, hein?
Nos últimos 15 dias, a rotina de deixar a TV sintonizada em canais de notícias foi trocada por jogos de vôlei e novelas
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Agora você boia de um a três minutos ou o tempo que quiser. Estiquei o corpo com a barriga para cima, as pernas relaxadas e os braços abertos feito o Cristo que me olhava lá de longe. Admirei o céu e percebi o silêncio.
Depois de uma hora, com a cabeça enfiada na água e com a faixa de areia e dos prédios que me serviam de guia para não parar em Niterói, me dei conta de que a natação no mar virou só mais uma tarefa na minha lista de coisas para fazer e não um momento de diversão ou de relaxamento.
Transformei aquela imensidão num divã para pensar nas soluções dos problemas. Entre uma braçada e outra, organizava mentalmente a minha agenda caótica. Levava para dentro do mar o que deveria resolver em frente ao computador.
E agora eu estava boiando. Só conseguia ver o azul do céu e ouvia alguns sons abafados pela água que cobria os ouvidos. Um avião lá no alto carregava uma faixa com a propaganda de algo que não pude ver. O barulho de crianças que, acho, brincavam na areia e de turistas ou moradores que aproveitavam um daqueles dias memoráveis que faziam tempo não davam as caras no Rio.
Boiar é uma gíria normalmente usada para dizer que alguém está mal-informado. Fulano tá boiando. Fazia tempo que eu não tinha essa sensação. A de boiar na água, a de boiar nos assuntos. Como você, caro leitor, consumo uma quantidade exagerada de informação todos os dias.
É pegar o celular e ver o tsunami de notícias, de memes, de fofocas nas redes, nos sites de notícia, nas mensagens dos amigos. Eu não assisto a esse reality da TV Record, mas é tanta gente que fala sobre o assunto que comecei a reconhecer alguns nomes dos participantes. Como se não bastasse ter na ponta da língua a formação ministerial do STF, tem um lugar na memória que armazena o casting de um programa que eu nem acompanho. E agora tem a Copa do Mundo.
Nos últimos 15 dias, a rotina de deixar a TV sintonizada em canais de notícias foi trocada por jogos da liga feminina de vôlei e novelas antigas. Minha mãe, que me visitava, é viciada em saques e cortadas e em enredos da época que Regina Duarte não era a tia do zap.
Nos primeiros dias, estranhei a mudança. Senti falta da voz da Andreia Sadi e da Julia Duailibi, que ambientam as minhas tardes enquanto trabalho. Entendo que o JN sobreviverá sem minha audiência. As tacinhas de vinho com minha progenitora, durante o horário nobre, ganharam um sossego do qual eu não me recordava.
Me peguei boiando em muitos assuntos na última semana. E só entendi a maravilha em boiar, na água e na vida, quando o professor me deu isso como tarefa. Ao olhar para o céu, sem ouvir quase nada, só consegui pensar na delícia daquele momento de desconexão, da água morninha, do mundo todo a 100 metros de distância. Não pensei na pintura do escritório ou Copa sem álcool, no fim do Twitter, em militar golpista.
E o Bolsonaro, hein? Ouvi alguns rumores, mas a verdade é que, depois de quatro anos, não faço a menor ideia. Tô boiando.
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