Siga a folha

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Preservadores da memória da TV não são piratas

Morto há uma semana, criador da Mofo TV mostrou importância da preservação

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Então namorados, Pelé e Xuxa protagonizaram na década de 1980 uma das campanhas publicitárias mais constrangedoras já exibidas pela televisão brasileira. Com a câmera ainda fechada em seu rosto, o ex-jogador fala: "Espero que todos os brasileiros recebam o presente que mais desejarem nestas festas".

Na sequência, já sendo possível ver que Pelé segura Xuxa no colo, ele completa: "Eu já recebi o meu". Enquanto aparece uma mensagem de Feliz Natal na tela, o ex-jogador acrescenta: "Em nome de Francisco Xavier Imóveis". E Xuxa, segurando um buquê, termina: "Sua garantia imobiliária".

Como ocorreu com tantas outras pérolas transmitidas pela TV, esse anúncio de 30 segundos da imobiliária tinha tudo para cair no esquecimento e se tornar uma lenda, com várias versões a seu respeito. Mas isso não aconteceu.

Primeiro, por que alguns fanáticos por televisão, como José Marques Neto, tinham naquela época o hábito de gravar tudo o que viam em seus aparelhos de videocassete.

Posteriormente, com a criação do YouTube, em 2005, Neto enxergou a possibilidade de compartilhar com um público maior os seus guardados até então quase secretos. Bem-humorado, ele chamou o seu canal de Mofo TV.

No auge, chegou a acumular mais de 2.000 vídeos com pequenos trechos de novelas, programas de auditório, anúncios e cenas inusitadas, entre outros achados da criativa TV aberta brasileira.

Vinheta da MofoTV no YouTube - Reprodução

A morte precoce de Neto na semana passada, aos 57 anos, provocou comoção entre dezenas de outros preservadores informais da memória da televisão, assim como em milhares de frequentadores do seu canal, todos reconhecendo o seu pioneirismo.

José Marques Neto é homenageado no canal do amigo Fabio Marckezini - Reprodução

Pela repercussão, não parece exagero dizer que Neto era uma espécie de guru dessa turma valente, que enfrenta muitas dificuldades para fazer esse trabalho.

O canal de Neto, por exemplo, foi apagado duas vezes devido à pressão de gravadoras de música, que enxergaram violação de direitos autorais nos vídeos postados pelo colecionador. Neto, assim como vários colegas, não monetizava o seu canal. Ou seja, não ganhava dinheiro com os acessos.

Como diz o discípulo Fabio Marckezini, que mantém um canal com seu nome no YT, é preciso diferenciar pirataria do ato de colecionar e divulgar vídeos antigos. Não tem dinheiro envolvido, ele assegura. É apenas preservação da memória.

José Marques Neto, embaixo à direita, em live no canal de Fabio Marckezini no YouTube - Reprodução

A confusão entre colecionar e piratear pode ter origem na batalha das gravadoras contra os sites que ofereciam downloads gratuitos de faixas avulsas e álbuns inteiros, de todos os gêneros musicais.

Essa disputa está muito bem documentada na série "Som na Faixa", da Netflix, que descreve o processo de criação do Spotify. O serviço de streaming de música começou a ser gestado em 2006 e foi lançado dois anos depois.

Há uma clara divisão entre os pioneiros da plataforma de música. De um lado, jovens que não enxergavam motivo para pagar direitos autorais às gravadoras. Eles consideravam as multinacionais gananciosas e ricas o suficiente. Por outro lado, havia quem compreendesse que o trabalho autoral, de criação de música, precisava ser remunerado, do contrário deixaria de existir.

A série mostra que os jovens "radicais" perderam a batalha, mas os músicos também. O Spotify aceitou negociar com as gravadoras, mas sempre sofreu críticas por não pagar aos criadores artísticos o valor devido por suas obras.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas