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Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

Descrição de chapéu Mobilidade

Estações de transporte precisam ser tratadas como espaços públicos

Dos grandes terminais urbanos aos milhares de pontos de ônibus, falta integração com a cidade e preocupação com a qualidade para o usuário

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Em São Paulo, são feitas quase 8 milhões de viagens por dia em transporte coletivo. Quando se fala nesses deslocamentos, habitualmente pensamos no tempo dentro dos vagões e ônibus, mas tendemos a desconsiderar os 20 minutos, em média, que se gasta na baldeação ou esperando o transporte. Infelizmente, esse tempo todo é passado em locais às vezes desconfortáveis, às vezes inseguros, às vezes apenas sem graça.

Muitos terminais na região central, que surgiram a partir de paradas dos ônibus, ocuparam praças e ruas, matando os espaços públicos onde se localizam. É o caso do Terminal Bandeira, que invadiu uma praça e deixou um complexo desengonçado, que obriga os passageiros a subir por acessos apertados e quentes, até as passarelas para chegar aos ônibus.

As maiores confluências de linhas, como Sé ou República, sofrem com o fluxo de passageiros e usam mal o espaço que sobra. O terminal Dom Pedro II não conversa com o entorno e ainda obriga os passageiros de ônibus a andarem 500 metros para fazerem baldeação.

O terminal de ônibus Parque Dom Pedro II não conversa com o entorno e ainda obriga os passageiros de ônibus a andarem 500 metros para fazerem baldeação - Danilo Verpa - 24.mar.21/Folhapress

A Estação da Luz está num prédio histórico, mas não tem urbanidade —as grades parecem conduzir rebanhos em vez de pessoas. A Estação Santa Cruz, que tem um shopping em cima, sacrificou o tamanho das calçadas para acomodar os ônibus. Na linha amarela, as estações ocupam espaços descomunais mas não devolvem conforto. Na estação Fradique Coutinho, o pessoal senta mesmo é nos canteiros.

As estações de trem melhoraram muito nos últimos anos. O problema é que elas estavam tão ruins que continuam com problemas básicos —desde os degraus absurdos entre a plataforma e o vagão até a falta de limpeza e acessos difíceis.

O movimentadíssimo Terminal Rodoviário do Tietê tem lojas, lanchonetes, acesso ao metrô e centenas de lugares para sentar. Porém, é um espaço sofrido. Os banheiros são sujos, tudo é barulhento, as pessoas se aglomeram para conseguir comprar um café e a saída até a rua num feriado exige coragem e estratégia.

Os pontos de ônibus são tantos e os problemas tão grandes que vão merecer uma coluna só para eles.

O Terminal da Lapa é considerado um dos melhores terminais de ônibus da cidade, com um projeto arquitetônico premiado - Zanone Fraissat - 9.jun.20/Folhapress

Também há os bons exemplos. O Terminal da Lapa é considerado um dos melhores terminais de ônibus da cidade, com um projeto arquitetônico premiado. Há lugares para comer, o acesso para a rua é fácil, os banheiros são cuidados e há lugares ventilados para sentar.

Várias estações de metrô também não fazem feio quando se trata de criar espaços públicos e oferecer alguma distração. Algumas, das linhas azul e verde, se integram bem à cidade. Na Liberdade, estudantes fantasiados se encontram nas escadarias aos sábados. Na Sumaré, há uma surpreendente vista para o vale. Na São Bento, há até slams de poesia. Em todas as estações, é comum ver gente marcando encontros na saída das catracas.

Como transformar as estações e terminais em espaços públicos dignos?

A cidade tem 31 terminais rodoviários municipais, 91 estações de metrô, mais de 20 mil pontos de ônibus e abriga mais da metade das 57 estações da CPTM. Não dá para exigir que todas essas configurações consigam oferecer uma experiência memorável. Mas não é muito exigir que os pontos de ônibus e pequenas estações sejam dignos e que os grandes terminais ofereçam algo mais do que um espaço de passagem.

O primeiro passo é conceitual: assumir que a função de transportar pessoas não é incompatível com o respeito ao passageiro e à cidade. A tese de doutorado da arquiteta Yara Baiardi, do Mackenzie, mostra que há uma dicotomia entre o conceito de nó e de lugar. A função de transporte acabou se sobrepondo —e até ignorando— a importância histórica dos lugares e do entorno.

Outro passo é ampliar o foco e incluir a noção do urbanismo ao redor do edifício. Há uma lei municipal que trata disso. Na concessão de terminais municipais, os ganhadores têm que fazer projetos para o entorno e precisam oferecer manutenção e serviços. A lei, como tantas outras na cidade, demorou anos para começar a ser aplicada e talvez gere algum projeto urbanístico nos próximos anos. A ver.

Também vale a pena olhar para o que acontece fora do Brasil. Em várias cidades do mundo, há estações que, mesmo gigantescas, são espaços públicos de verdade. Em Londres (ING), a King´s Cross criou uma praça agradável na frente da estação. Em Leipzig (ALE), a antiga gare de trem foi sendo renovada e hoje é um lugar de passeio, compras e encontros. Na Holanda, qualquer estação tem espaço para centenas de bicicletas.

Passageiros passam pela estação King´s Cross, em Londres (ING), que é um exemplo de urbanismo, com lojas e serviços - Henry Nicholls - 21.jan.22/Reuters

Por fim, é preciso desenvolver uma obsessão pelos detalhes. Terminais são estruturas enormes, mas é nas coisas pequenas que os problemas realmente afetam os usuários. A distância para trocar de transporte, o assédio no vagão, a falta de papel higiênico, a dificuldade de se cadastrar para usar um bicicletário, a largura das calçadas e o poste de luz são tão importantes quanto o número de pessoas transportadas. As métricas de transporte precisam começar a avaliar a qualidade também.

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