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Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Em tempos de sororidade, uma mulher pode xingar outra mulher?

Por que algumas mulheres são tão destrutivas, invejosas e competitivas com as próprias mulheres?

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Inúmeras pesquisas mostram que xingar faz bem à saúde física e mental: aumenta a resistência à dor, melhora a força física, e ainda pode ser um sinal de inteligência e criatividade.

Uma das nossas válvulas de escape tem sido xingar os psicopatas, genocidas, fascistas, sádicos, monstros, desumanos, energúmenos, imbecis, bandidos, vagabundos, covardes e outros palavrões impublicáveis.

Mas quero compartilhar uma dúvida com vocês: em tempos de sororidade, uma mulher pode xingar outra mulher?

Discussão entre árbrita e esportista, durante Olimpíada de Tóquio - Daniel Leal-Olivas/AFP

Sororidade, encontrei no Google, "é o comportamento de não julgar outras mulheres e ouvir com respeito as suas reivindicações. É ter empatia e se colocar no lugar das outras mulheres. É uma relação de afeto e amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela entre irmãs. É uma união de mulheres que compartilham os mesmos ideais e propósitos, normalmente de teor feminista, sendo caracterizada pelo apoio mútuo. A palavra sororidade deriva da junção da palavra ‘soror,oris’, com o sentido de irmã, e do sufixo - dade, que designa um estado. Portanto, sororidade indica ‘condição ou qualidade de irmã’".

Eis o caso que gerou a dúvida. Fui convidada para um debate sobre a violência física e psicológica contra as mulheres. Uma das participantes foi muito agressiva e buscou desqualificar a pesquisa de uma professora. Ficamos revoltadas, mas a organizadora do debate preferiu não responder na hora a agressão para não desvirtuar o nosso propósito: combater a violência que as brasileiras sofrem dentro das próprias casas, e não praticar violência verbal contra as mulheres.

No final, a organizadora disse: "Estou triste e chocada com a situação. Achava que ela era uma profissional séria, mas a máscara caiu. Ela é uma escrota; precisa humilhar, inferiorizar, diminuir, desqualificar, destruir as outras mulheres para se sentir poderosa e superior. É exatamente por esse tipo de comportamento que algumas mulheres são consideradas as piores rivais e inimigas das outras mulheres".

A professora que foi agredida reagiu: "Não sou de brigar, nem de xingar ninguém. Mas hoje senti tanta raiva que tive vontade de gritar: ‘Você não tem o direito de ser tão arrogante e agressiva. Você é uma vaca nojenta’. Mas pensei: ‘Será que eu estaria ofendendo a vaca se xingasse uma mulher tão escrota de vaca nojenta? Será que preciso ter empatia com a verdadeira vaca que nunca foi escrota comigo? E a tal da vacaridade?’"

Demos muitas risadas da "tal da vacaridade" e concordamos com ela, pois convivemos com incontáveis mulheres corajosas, solidárias e generosas, mas, infelizmente, conhecemos algumas que são "vacas nojentas": violentas, cruéis, oportunistas, competitivas, egoístas, invejosas, escrotas.

Eis a dúvida: em tempos de sororidade, uma mulher pode xingar outra mulher?

Se não, como expressar toda a raiva que sentimos de mulheres que defendem a sororidade no discurso, mas na prática sentem um prazer sádico de diminuir, humilhar e agredir outras mulheres? Será que elas não sabem que sororidade é o oposto de rivalidade, inveja e competição? Afinal, de que adianta termos um discurso libertário se os comportamentos efetivos são o oposto do que defendemos?

Todas as vezes que eu tenho vontade de xingar uma mulher é porque testemunhei o comportamento destrutivo, competitivo e agressivo dela com outras mulheres. E sinto uma raiva maior ainda por isso ter sido feito por uma mulher que defende a sororidade.

Paradoxalmente, são essas mulheres que me ensinaram o verdadeiro significado da palavra sororidade. É justamente por elas serem tão mesquinhas, invejosas e desprezíveis que luto incansavelmente para ser o oposto do que elas são. Elas me desafiam a ser cada vez mais focada no meu propósito de vida: encontrar os caminhos de libertação das nossas prisões externas e internas. E me estimulam a ser cada vez mais parceira, companheira, amiga e "irmã" das mulheres. Com exceção, é lógico, das mulheres que são rivais e inimigas das próprias mulheres.

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